

Camilo Castelo Branco e Guimarães:
múltiplas visões de uma cidade moral
A imagem de Guimarães que emerge da obra e da correspondência de Camilo Castelo Branco é múltipla, complexa e profundamente simbólica. Não se trata apenas de um lugar geográfico, mas de uma figura moral, de um espelho do país profundo e de um refúgio pessoal. Ao longo da sua vasta produção literária e epistolar, Camilo invoca Guimarães sob diversas formas — por vezes contraditórias, sempre reveladoras.
Guimarães como lugar de memória e verdade histórica
Camilo vê em Guimarães um centro de autenticidade histórica. Obras como Estudos da Velha História Portuguesa (em coautoria jocosa com Sarmento) e textos como Sentimentalismo e História e História e Sentimentalismo revelam uma cidade que resiste à falsificação do passado. A crítica camiliana à historiografia romântica, aliada à arqueologia de Sarmento, constrói Guimarães como símbolo de uma memória material, feita de pedra e silêncio, contra o ruído da retórica patriótica.
Cidade de honra calada e nobreza enterrada
Em romances como D. Luís de Portugal, A Brasileira de Prazins e mesmo O Assassino de Macário, Guimarães surge como território de valores discretos. Camilo evoca a sua nobreza — muitas vezes mais moral do que genealógica — como silenciosa, enterrada, mas viva na consciência coletiva. Nas cartas, a mesma imagem retorna: Guimarães como lugar onde os mortos dizem mais do que os vivos, e onde a honra resiste mesmo quando já não se exibe.
O povo: dignidade, contenção, resistência
Ao lado da crítica social que marca grande parte da sua ficção, Camilo revela, nas cartas, uma admiração profunda pelo povo anónimo de Guimarães. Os rostos calados, os velhos de tamancos, os gestos sem alarde, aparecem como depositários de uma sabedoria e de uma ética que escapam à História oficial. Essa “arqueologia viva”, como ele sugere, complementa e dá sentido ao trabalho de Sarmento com as pedras.
Crítica urbana e cultural: a cidade em risco
Camilo não idealiza a cidade. Em O Vinho do Porto, Maria da Fonte e nas cartas sobre a Torre da Alfândega, exprime a sua indignação com a modernização destrutiva, o “progresso” que apaga memórias. Vê Guimarães como uma cidade ameaçada — não pelo tempo, mas pelo esquecimento ativo das suas elites. Ao lado disso, a oposição constante à fanfarronice lisboeta reforça a imagem da cidade como bastião de contenção e lucidez.
A relação com Sarmento: espelho fraterno
Francisco Martins Sarmento não é apenas o destinatário de cartas: é o duplo ético e intelectual de Camilo. Partilham o gosto pelo rigor, pelo silêncio, pela crítica à vaidade académica. Sarmento representa o lado construtivo do camilianismo — aquele que escava, preserva e educa. Guimarães, nesse contexto, é o território comum onde ambos se encontram: Camilo, o intérprete inquieto; Sarmento, o guardião metódico.
Conclusão: Guimarães, ou o país em voz baixa
Ao fim deste levantamento, Guimarães revela-se como uma figura central na obra de Camilo: cidade de memória, de valores, de crítica, de resistência. Uma cidade que pensa sem barulho, onde a pedra fala, onde os vivos honram os mortos e onde a literatura encontra o seu solo mais fecundo. Com Sarmento como elo fraterno, Guimarães é, para Camilo, a antítese de Lisboa e a metáfora do que Portugal poderia ser — se falasse mais com o gesto do que com o ruído.






