Sobre o projecto para o Toural - II

RUAS, PRAÇAS E LUGARESTOURAL

António Amaro das Neves

12/30/20075 min ler

No início do debate sobre os 5 projectos para Guimarães, deixei aqui a minha reflexão sobre a intervenção projectada para o Toural e a Alameda. Agora que o debate poderá estar no fim (uma vez que foi anunciado que se pretendia fechá-lo no final do ano que está prestes a acabar), confesso que tenho mais dúvidas do que há três meses.

Devo prevenir que a minha participação nesta discussão não é feita a partir do lado de fora. Faço parte dos que olham para o Toural desde o lado de dentro, já que me incluo entre os que residem e trabalham perto do Toural, fazendo o seu atravessamento, quase sempre a pé, vezes sem conta. Portanto, o que se fizer no Toural, vai necessariamente interferir com o meu quotidiano. Mas também vai alterar a vida na cidade e o modo como nós a (vi)vemos.

Defendo que o Toural deve ser objecto de uma intervenção que o revitalize, que lhe acrescente condições para que volte a ser um centro cívico relevante em Guimarães e sinto que o projecto em discussão tem virtudes que podem dar uma excelente contribuição nesse sentido. Porém, há nele aspectos que me levantam reservas, umas maiores do que outras, provavelmente por défice de informação. Por exemplo:

1. Faltam estudos de carácter histórico e sociológico sobre o Toural. Tanto quanto se percebe, não houve grande trabalho de casa neste domínio, contrariando o que tinha sido (boa) doutrina na intervenção no Centro Histórico de Guimarães. Porventura, tal ausência justifica-se por se ter partido do princípio redutor de que, por se situar fora da antiga muralha, o Toural não fará parte do Centro Histórico, quando salta aos olhos a evidência de que esta praça é parte indissociável e vital da zona mais nobre de Guimarães.

2. Não me consta que existam estudos geológicos que demonstrem que o terreno a escavar não levantará dificuldades. Alguém com conhecimento do projecto já avançou que haveria sondagens, realizadas por método não invasivo, que indicarão que até seis metros de profundidade não haverá problemas de maior, e que daí para baixo as dificuldades começam a aparecer. Partindo do princípio de que tais sondagens serão fiáveis, não estou a ver como seis metros de profundidade possam ser suficientes para acomodar um aparcamento com dois pisos. Por outro lado, há referências não negligenciáveis que indicam que os problemas a resolver poderão não ser simples. É sabido que, no lado sul da praça, se situavam as “lajes do Toural”, uma formação rochosa em forma de ladeira difícil de vencer, mandada quebrar, à superfície, em meados do século XIX. No mesmo sentido aponta a informação transmitida por quem esteve ligado à implantação da fonte-monumento do Toural, no início da década de 1950: pela natureza do solo, não terá sido fácil escavar o reservatório de água que hoje existe por baixo da fonte. Portanto, nada nos garante que a escavação do Toural não venha a ser uma operação complexa de pirotecnia, com todos os inconvenientes, nomeadamente em matéria de segurança e desassossego, como normalmente sucede neste género de intervenções.

3. Também não foram divulgados estudos sobre o impacto da construção do subterrâneo nas estruturas dos edifícios que delimitam a praça. Ao que vejo e ao que ouço, a construção de subterrâneos para parqueamento e atravessamento do Toural pode acarretar riscos significativos para o conjunto edificado que margina a praça, constituído, essencialmente, por edifícios antigos, com destaque para a frente pombalina, que já dobra os duzentos anos (e que já ameaçou ceder, ainda no século XIX). Acautelar as estruturas desses edifícios não vai ser pequena obra de engenharia. A propósito, convirá recordar que em Guimarães, na Universidade do Minho, existe um Grupo de Estruturas que é uma referência mundial na área do estudo e da conservação de construções antigas.

4. Ao que tem sido avançado, existem estudos sobre a mobilidade rodoviária em Guimarães. Com a sua divulgação poderia resultar um maior esclarecimento e, certamente, maior compreensão das propostas avançadas. O Toural sempre foi o nó górdio da mobilidade urbana em Guimarães. Da informação disponibilizada até hoje, não resulta claro de que modo o projecto desenhado desata esse nó. Para um observador não especialista, a criação de um túnel para atravessamento rodoviário do Toural, não parece uma solução muito racional, já que não se afigura que vá melhorar a circulação, ou mesmo mantê-la como nos dias de hoje, podendo até criar novos estorvos dificilmente resolúveis. Depois, não parece evidente que a construção do túnel vá trazer mais espaço para os peões, uma vez que instala uma barreira física que separará, numa extensão significativa, o lado poente do lado nascente da praça, com a abertura da embocadura de entrada e correspondentes muretes de protecção. Por outro lado, tendo em conta que o Toural continuará a ser local de passagem para autocarros, nomeadamente de turismo, desconfio que a entrada do túnel terá que ter uma extensão muito significativa, se se respeitar um limite de inclinação dentro dos limites de segurança recomendados pela UE (até 5%). Ou seja: vai ser necessário atravessar meia praça, ou mesmo mais, para se entrar no túnel, saindo-se logo a seguir. Fará isto muito sentido?

5. Também se desconhece em que estudos sobre a oferta de parqueamento automóvel no centro da cidade se baseiam as soluções encontradas. Sem eles, parece resultar evidente que não existe nenhuma razão objectiva a justificar a construção de um novo parque de estacionamento no Toural, uma vez que nas imediações da praça e do Centro Histórico a oferta actual é manifestamente excedentária em relação à procura (sem grande esforço, conto mais de uma dezena de parques dentro de um raio que não ultrapassa 300 metros de distância em relação ao miolo da cidade) e continuará a sê-lo, mesmo que se eliminem uns quantos lugares na zona a intervir. Uma boa política de mobilidade apostará, certamente numa redução do acesso de automóveis ao centro da cidade. Criar mais estacionamento será um um estímulo para os que, mesmo sem necessidade, insistem em trazer o carro para dentro da cidade.

6. Também faria sentido que fossem divulgados os resultados dos estudos sobre o impacto das soluções propostas na dinâmica comercial da zona, se é que foram feitos. O que se vai dizendo, sem se saber em que base objectiva assentará, é que o parque no Toural faz falta para revitalizar o comércio tradicional. Não estou seguro disso. Parece-me até que poderá suceder exactamente o contrário, com o que ainda hoje resta do comércio tradicional a fechar portas para ceder espaço para o muito pouco tradicional comércio franchisado. Ou seja: o parque enterrado no Toural pode muito bem ser a pá de terra lançada que faltava sobre o comércio verdadeiramente tradicional do centro de Guimarães.

Sei que quem vai decidir nesta matéria tem plena consciência do que está em jogo, até pelo peso afectivo e simbólico desta praça emblemática, e que decidirá com prudência. E a prudência pode recomendar que só se avance com uma solução depois de se fazerem todos os estudos prévios que forem necessários e que agora parecem faltar.

O Toural já não é mexido há mais de meio século. Pode bem esperar mais um par de meses.