Salvador Ribeiro de Sousa

o rei do pegu

Nascido em Guimarães, rei na Birmânia

Salvador Ribeiro de Sousa nasceu na segunda metade do século XVI, muito provavelmente no couto de Ronfe, termo de Guimarães, em Quintães, herdade de seu pai Frutuoso Gonçalves Cardote, e de D. Maria da Mota e Sousa – embora a documentação conhecida não permita confirmar definitivamente a filiação e a naturalidade, apesar de o Breve Discurso e a inscrição tumular de Alenquer o darem como “natural de Guimarães”. Tendo partido jovem para o Estado da Índia, serviu ali, segundo o padre Manuel de Abreu Mouzinho, treze anos como soldado de mar, patrulhando os mares de Meca a Ceilão.

Por volta de 1600, quando se dispunha a regressar ao reino para “requerer satisfação de seus serviços e dos de dois irmãos” mortos no Oriente, a viagem é desviada por mau tempo para o golfo de Bengala. Acaba por descer à costa da Birmânia e tomar o porto de Sirião (Syriam), no grande rio de Pegu, integrando-se nas forças do rei de Arracão e no grupo de aventureiros portugueses chefiados por Filipe de Brito e Nicote. Entre 1600 e 1603, distingue-se na defesa da fortaleza de Sirião contra armadas arracanesas e pegus – a crónica seiscentista atribui-lhe façanhas extraordinárias, como a derrota de uma enorme armada inimiga com um punhado de homens, que o tornaram figura lendária na costa birmane.

É neste contexto que o Breve Discurso narra a sua aclamação como rei: perante o vazio de poder, os “banhas” e “ximins” de Pegu ter-lhe-iam oferecido a coroa, coroando-o como “Massinga, rei de Pegu”, com todos os rituais birmanes – coroa de ouro, sombrinha real, betleiro de ouro, presentes dos reis vizinhos. A mesma fonte conta que, ao regressar Filipe de Brito, investido de capitão-geral pelo vice-rei da Índia, Salvador renunciou ao trono em favor do companheiro de armas, por lealdade ao rei de Portugal, entregando-lhe o reino e recolhendo-se à condição de vassalo. A historiografia recente, porém, é mais cautelosa: cruzando fontes birmanes, portuguesas e ibéricas, conclui que o verdadeiro “rei do Sirião e das partes de Pegu” foi Brito de Nicote, enquanto Salvador terá desempenhado um papel importante, mas secundário, como seu braço direito.

Em 1603, após apenas três anos na Birmânia, Salvador Ribeiro regressa definitivamente a Portugal. Entre 1607 e 1622, apresenta sucessivas petições à Coroa, alegando dezasseis anos de serviço na Índia, três deles em Pegu, um ferimento no rosto em combate e a morte de um príncipe inimigo – mas nunca invoca a pretensa coroação como “Massinga rei”. Recebe o hábito de Cristo com tença, é feito comendador e obtém, por fim, a comenda de S. Eurício e S. Fins de Lamego. Os últimos anos ligam-no a Alenquer: contribui generosamente para as obras do oratório franciscano de Santa Catarina dos Mártires e é aí sepultado, na casa do capítulo, sob uma lápide célebre que o proclama “Comendador de Cristo, natural de Guimarães, a que os naturais do reino de Pegu elegeram por seu rei”. Entre a lenda e a crítica histórica, ficou na memória de Guimarães como o aventureiro de Ronfe que, por um instante, pareceu elevar “ao alto da humana felicidade” a pequena terra minhota, fazendo dela, aos olhos de muitos, berço de um rei longínquo.

Salvador Ribeiro de Sousa, nota biográfica
Percurso
  • c. 1570–1580 – Provável nascimento de Salvador Ribeiro de Sousa, “natural do couto de Ronfe, distrito de Guimarães, em Quintães, herdade de seu pai Frutuoso Gonçalves”, segundo o Breve Discurso e a inscrição tumular, embora a documentação conhecida não permita confirmá-lo.

  • c. 1587 – Partida para o Estado da Índia; serve como soldado de mar em armadas da costa do Malabar e nos mares entre Meca e Ceilão, durante cerca de treze anos.

  • 1600 (junho) – A caminho de Portugal, a nau em que segue arribas ao golfo de Bengala; Salvador desce ao porto de Sirião, na foz do rio de Pegu, integrando-se nas forças de Arracão e no grupo de mercenários portugueses chefiados por Filipe de Brito e Nicote.

  • 1600–1603 – Participa nas campanhas do Sirião, distinguindo-se na defesa da fortaleza contra armadas arracanesas e pegus; é nesta época que, segundo o Breve Discurso, teria sido coroado “Massinga, rei de Pegu”, versão hoje relativizada pela crítica histórica.

  • 1601 (data tradicional) – Ano em que as fontes seiscentistas situam a alegada aclamação dos naturais de Pegu, posteriormente resumida na inscrição da lápide de Santa Catarina, em Alenquer.

  • 1603 (março) – Parte da Birmânia e regressa a Portugal, “deixando aquele reino (…) regado com seu sangue, possuído de outro”, como resume o Breve Discurso.

  • 1607–1622 – Peticiona à Coroa, alegando dezasseis anos de serviços na Índia e em Pegu; obtém o hábito de Cristo com tença e, por fim, a comenda de S. Eurício e S. Fins do bispado de Lamego.

  • c. 1622–1623 – Contribui com avultado donativo para a reedificação do oratório de Santa Catarina dos Mártires, em Alenquer; aí é sepultado, na casa do capítulo, com a lápide que o apresenta como “rei” eleito de Pegu.

  • Séculos XIX–XX – A figura de Salvador Ribeiro de Sousa inspira romances, artigos e crónicas; Guimarães e Ronfe fixam-no na toponímia como “Rei do Pegu”.

Salvador Ribeiro de Sousa nas Memórias de Araduca