O Chafariz da Praça Maior

OLIVEIRA

António Amaro das Neves

11/12/20074 min ler

Até ao final do século XVI, o abastecimento público de água à população de Guimarães era assegurado pelo chafariz da Praça.

O chafariz da Praça encostava-se à torre da Colegiada da Oliveira. Ainda o podemos ver em gravuras e fotografias antigas, com as suas três bicas, a pedra de armas da vila de Guimarães, com uma imagem em bronze da Senhora da Oliveira, e as armas reais. Esta memória corresponderá a uma reconstrução do tanque que ocorreu no início do século XVI.

O original é mais antigo, datando de 1390. Foi obra do pedreiro João Garcia, mestre da obra da igreja de Santa Maria. Há um recibo de 20 de Dezembro de 1392 que comprova que, naquele dia, João Garcia recebeu, na crasta da igreja da Colegiada, das mãos de Estêvão Gonçalves, morador na rua da Ferraria, que exercera o cargo de Procurador do Concelho no ano de 1390, a importância de 800 libras que ainda lhe era devida por razão do chafariz que no dito ano e tempo fez ao concelho. Tal chafariz só poderia ser o da Oliveira, que iria ser, até finais do século XVI, o único que a Câmara possuía na vila de Guimarães. A água que debitava, cuja origem ainda desconhecemos, chegava-lhe através do cano da Vila, passando por uma arca na rua da Infesta. No século XVI, pelo menos a partir do momento da construção do chafariz do Toural, já recebia água da Serra de Santa Catarina.

Há um alvará régio de 27 de Agosto de 1516 que corresponde afirmativamente a uma petição dos juízes, homens bons e oficiais da vila de Guimarães, em que davam conta de que a vila tinha necessidade de dinheiro para a aquisição de um relógio, com todos os seus aparelhos, feito de novo por se desfazer a torre em que estava e se fazer outra de novo, para reconstruir um chafariz que estava na praça ao pé da dita torre e pelo mesmo motivo se derrubara e era preciso fazê-lo de novo, melhor do que estava, para erguer uma nova casa para a Câmara, como cumpria à vila, porque a que tinha era a pior do reino e muito desbaratada, e para a criação de alguns enjeitados. Para custear tais encargos, seriam necessários cerca de duzentos mil réis, a que haveria ainda a somar o endividamento do Concelho em mais de quarenta mil réis, pelo que se solicitava ao rei que concedesse à Câmara, por um ano, a renda da imposição de um real em cada arrátel de carne e de peixe e em cada quartilho de azeite vendidos em Guimarães, e que a autorizasse a mandar fazer novos padrões de medidas, para os géneros ficarem com o mesmo peso. O rei acedeu ao que lhe era solicitado e esta concessão será objecto de sucessivas prorrogações ao longo do tempo.

No dia 12 de Fevereiro de 1842, a torre da Colegiada foi atingida por um raio. O chafariz também sofreu as consequências deste desastre. Segundo a descrição que o cronista Pereira Lopes inscreveu no seu diário, o raio caiu no remate que tinha a cúpula da torre que era de ferro, depois de esbandalhar a mesma é que passou para a igreja. No exterior da igreja, o estrago que fez foi deitar abaixo o martelo do relógio, uma bica do tanque e quebrar a maior parte dos vidros não só da igreja, mas também de muitas casas da Praça da Senhora da Oliveira, arrebentando na mesma o cano das águas públicas em diferentes partes.

O tanque da Praça Maior serviria de abrigo à oliveira que dava o nome à praça. No dia 5 de Dezembro de 1875, a árvore, com fama de antiquíssima e de milagrosa, foi transplantada do polígono de pedra, onde se enraizou, junto ao Padrão do Salado, para o meio do tanque do chafariz. Acabaria por morrer. Em Fevereiro de 1881, seria ali plantada uma nova oliveira, que também secou. Em 1882, o pequeno muro que a Câmara mandara erguer no tanque, para circuitar a árvore, foi retirado, por se ter concluído que quantas oliveiras ali se plantassem, quantas secariam.

A história do chafariz da Praça da Oliveira terminou com a introdução do sistema de abastecimento público de água em Guimarães. Foi desmantelado no dia 20 de Agosto de 1904. As pedras de armas que o ornamentavam pertencem hoje ao Museu Arqueológico da Sociedade Martins Sarmento. Há alguns anos, no âmbito da requalificação do centro histórico de Guimarães, colocou-se a possibilidade de refazer aquela velha relíquia. A ideia seria abandonada por se ter tomado consciência dos danos que a humidade libertada pelo chafariz poderia causar na aceleração do processo de degradação dos belos túmulos dos Pinheiros que se encontram na capela situada no interior da torre, como acontecera ao longo de tantos séculos e já havia sido notado no século XIX.

[A partir de texto do autor publicado no livro Mãe-d'água, Vimágua, 2007]

O Chafariz da Oliveira, numa fotografia de 1858.