O Pregão
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Rafael Bluteau define pregão com a “publicação de qualquer coisa que convém que todos saibam”, sendo sinónimo de bando. O Pregão ou Bando Escolástico, que tem lugar na tarde do dia 5 de Dezembro, véspera de S. Nicolau, serve para anunciar publicamente as festividades do dia seguinte. Faz-se anunciar pelo toque de caixas e bombos e compõe-se de um pequeno cortejo que é acompanhado por estudantes, a pé e a cavalo, com o pregoeiro (o membro da comissão que foi escolhido para dizer o pregão) a ser conduzido num vistoso carro puxado por cavalos, até aos diferentes locais onde iria executar a sua função.
Em tempos em que não havia meios de comunicação à distância eficazes, notícias ou anúncios com relevante interesse público eram levados ao conhecimento das pessoas através de bandos anunciadores, uns mais solenes do que outros. Ainda hoje no Brasil, em especial na região da Baía, é através de bandos que, de véspera, se anunciam as festas populares. Em Guimarães, como nas outras povoações portuguesas, era frequente a saída à rua do bando municipal, para fazer anúncios e proclamações de diferentes naturezas (nascimentos, mortes e casamentos na família real, visitas oficiais, anúncios militares, etc.). Data de 1929 última notícia que temos desta forma de propaganda, com um bando municipal que se anunciava uma visita do presidente da República. Entre nós, esta tradição ainda hoje persiste na véspera do dia de S. Nicolau, funcionando como uma espécie de anuário crítico e satírico das coisas locais, do país e do mundo, mas que, nas versões mais antigas, servia apenas para anunciar em texto rimado os festejos que teriam lugar a cada 6 de Dezembro.
O bando nicolino era formado por um pequeno cortejo, integrado por estudantes mascarados, uns a pé, outros a cavalo, rodeando um carro, decorado a preceito, onde seguia o pregoeiro, com mascarilha de veludo e rica e elegantemente vestido (desde o ressurgimento das festas em 1895, o pregoeiro, assim como o ponto, enverga o trajo de gala, sem capa e com camisa de colarinho em aba, laço branco e luvas também brancas). O cortejo fazia o seu percurso ao som de tambores, que tinham a função de chamar o povo a reunir. Em chegando aos lugares do costume, o cortejo estacionava, aguardando que a gente se juntasse à volta do carro. Quando tudo estava pronto para se iniciar a leitura do pregão, soava um clarim, indicando que era o momento de impor o silêncio, para que o pregoeiro se pudesse fazer ouvir. Este ritual repetia-se em vários locais da povoação. Com o tempo, desapareceu o clarim e o acompanhamento ficou limitado a caixas e bombos.
Não se consegue precisar quando é que esta prática começou a ser adoptada pelos estudantes de Guimarães para anunciarem os festejos do dia 6 de Dezembro. O pregão nicolino mais antigo que chegou até nós data de 1817 e é, como todos os que se lhe seguiram, mais do que um anúncio de folias, uma interessante peça literária e informativa. Entre os seus autores, contam-se diversos escritores que alcançaram posições de destaque nas nossas letras, em diferentes géneros literários, como João Evangelista Morais Sarmento, António de Oliveira Cardoso, Pereira Caldas, João Machado Pinheiro (Visconde de Pindela), Francisco Martins Sarmento, Bráulio Caldas, João de Meira, Delfim de Guimarães, Jerónimo de Almeida ou Gaspar Roriz.
No início, com mais ou menos inspiração poética, os pregões limitavam-se a cumprir a função de anunciarem os festejos de S. Nicolau, convocando os estudantes a participarem, a população a assistir e avisando os potenciais futricas (intrusos) dos castigos que lhes estavam destinados, caso ousassem intrometer-se numa festa onde não lhes era reconhecido o direito de participação. No princípio, eram textos quase intemporais. O seu conteúdo raramente continha referências datadas, pelo que o texto composto para um ano poderia perfeitamente servir, cumprindo a sua função, para outro ano qualquer (assim aconteceu com o pregão de 1822, de João Evangelista Morais Sarmento, que foi declamado em 1881, quase seis décadas depois de ter sido escrito). A partir de 1895, além de continuar a cumprir a sua função de anúncio do dia maior das festas dos estudantes de Guimarães, o pregão ampliou o seu horizonte temático e cresceu em tamanho, tornando-se numa espécie anuário satírico, onde se tratam os acontecimentos do último ano.




