Personalidades Nicolinas

São Nicolau

c. 280-c. 345

São Nicolau nasceu por volta do ano 280, na antiga cidade de Patara, na Anatólia, hoje uma província da Turquia. A sua biografia conhecida é composta mais de lendas do que de factos seguramente acontecidos. Na Legenda Aurea, obra composta no século XIII, em latim, pelo dominicano Jacopo Varazze, uma vasta colecção de biografias e milagres de santos, conta-se que os seus pais, Epifânio e Joana, “ricos e santos”, o terão gerado logo após o casamento e que passaram o resto da vida em abstinência carnal. Terá revelado sinais de santidade desde os seus primeiros dias: quando lhe deram banho, no dia em que nasceu, ficou de pé; enquanto a sua mãe o amamentou, cumpriu uma espécie de jejum às quartas e sextas-feiras, dias em que se pegava ao seio materno uma única vez; na infância, evitava as brincadeiras próprias da idade, preferindo passar o seu tempo em igrejas, registando na memória o que escutava das Sagradas Escrituras.

Quando os seus pais faleceram, Nicolau “começou a pensar no que faria com as suas grandes riquezas para proporcionar glória a Deus, mas evitando os elogios humanos por essas obras”. Segundo a Legenda Aurea, a primeira demonstração da sua generosidade terá acontecido quando mudou o destino a três donzelas filhas de um seu vizinho, homem nobre, mas indigente, que se tinha visto obrigado a prostituir as suas filhas virgens, para que pudessem sobreviver. Por três vezes, Nicolau atirou sacos cheios de moedas de ouro para dentro da casa onde viviam, o que lhes permitiu escaparem à má sorte.

Algum tempo depois, tendo falecido o bispo de Mira (actual cidade turca de Demre), o bispo que tinha autoridade para designar o seu sucessor, depois de um tempo de jejum e orações, escutou de noite uma voz que lhe disse que o escolhido seria o primeiro homem chamado Nicolau que entrasse na igreja no dia seguinte. “Na hora das matinas, como que conduzido pela mão de Deus, o primeiro a apresentar-se na igreja foi Nicolau” que, apesar de contrariado, recebeu a investidura eclesiástica. Como bispo, participou em Niceia no primeiro concílio ecuménico, no ano de 325.

A São Nicolau são atribuídos diversos milagres, que o tornaram no patrono dos marinheiros, das crianças, dos estudantes. Num deles, terá devolvido à vida três crianças que um estalajadeiro teria assassinado, esquartejado e salgado, para servir dissimuladamente em refeição aos seus hóspedes. É deste milagre, que teve grande curso no Norte da Europa e que não será mais do que uma lenda surgida depois da composição da Legenda Aurea, que lhe vem a fama de protector das crianças, que o transformaria no Santa Klaus, o Pai Natal que, num trenó puxado por dois cervos negros, visita anualmente todas as crianças.

Entre os milagres que terá praticado, também se conta aquele em que terá ressuscitado dois estudantes assassinados por ladrões, de onde lhe veio a fama de padroeiro dos escolares. No entanto, da sua hagiologia oficial, apenas consta um estudante miraculado:

Por amor a seu filho, que estudava as belas-letras, um homem comemorava todos os anos com solenidade a festa de São Nicolau. Certa vez, o pai do rapaz preparou um banquete ao qual convidou grande número de clérigos. Ora, o diabo veio à porta, em trajes de mendigo, pedir esmola. O pai mandou imediatamente o filho dá-la ao peregrino. O rapaz apressou-se, mas não encontrou o pobre e correu em sua busca. Quando chegou a uma encruzilhada, o diabo agarrou-o e estrangulou-o. Ao saber do sucedido, o pai lamentou-se muito, recolheu o corpo, deitou-o na cama e pôs-se a dar vazão à sua dor, proferindo estes gritos: “Ó querido filho, o que aconteceu? São Nicolau, é esta a recompensa da consideração de que por tanto tempo dei prova?”. Assim dizia ele, quando de repente o rapaz abriu os olhos como se saísse de um sono profundo, e ressuscitou.

Não se sabe ao certo o ano em que morreu S. Nicolau, mas sabe-se o dia: 6 de Dezembro (o mesmo em que, no ano de 1085, morreu D. Afonso Henriques). Inicialmente sepultado na catedral de Mira, as suas relíquias foram conduzidas furtivamente para a cidade italiana de Bari, no ano de 1087. O seu culto, propagou-se pela cristandade, de Oriente a Ocidente. Tem especial veneração no Báltico e no Mar do Norte, para onde terá sido levado pela devoção de marinheiros. É o padroeiro da Rússia, da Grécia e da Noruega. Desde a Idade Média, os alunos das Universidades e das escolas das catedrais têm-no como o seu patrono. Os estudantes de Guimarães dedicam-lhe as Festas Nicolinas.

As representações iconográficas de S. Nicolau, muito abundantes na tradição europeia, mostram-no com vestes e insígnias de bispo, muitas vezes junto de três crianças que ressuscitou, com as três bolsas de ouro que ofereceu às donzelas que salvou ou com ofertas que distribui às crianças, frequentemente simbolizadas por maçãs vermelhas.

Personalidades Nicolinas

João Evangelista de Morais Sarmento

1773-1826

João Evangelista de Morais Sarmento é natural do Porto, onde nasceu a 26 de Dezembro de 1773, filho de Oficial da Vedoria e Tesouraria Geral das Tropas, que o deixou órfão aos 14 anos. Entregue aos cuidados da sua mãe viúva, fez os estudos de humanidades na sua cidade natal. Desde cedo evidenciou a sua inclinação para poesia, mas a necessidade de encontrar um meio de sustento levou-o a matricular-se, aos 18 anos, na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, onde se formou em 1801. Depois de alguns anos de exercício da medicina no Porto, durante os quais firmou créditos como médico e como poeta, fixou-se em Guimarães, na casa dos senhores de Vila Pouca.

Em 1816, foi estabelecido um partido de médico nas Caldas de Vizela. João Evangelista foi o seu primeiro titular, ficando com a obrigação de ali residir durante a época balnear e de prestar assistência gratuita aos pobres — o que ele já fazia desde que se instalara em Guimarães. Também foi médico da Misericórdia de Guimarães, função a que resignou em meados de 1818, “por falta de forças”.

Poeta distinto, com uma robusta formação clássica, que sobressai nas suas composições mais elaboradas, era também conhecido pelo seu talento para o improviso. Apaixonado pela oratória, estudou retórica nas Aulas dos Congregados, no Porto, na sua biografia consta que “compusera muitos sermões, que foram por alguns pregadores recitados como próprios”.

Em Guimarães recitou poesias suas em diversos actos públicos, destacando-se por ser o autor dos quatro primeiros pregões da festa dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau que se conhecem, os que foram recitados nos anos de 1817, 1818, 1819 e 1822.

Nos bandos escolásticos que compôs, João Evangelista fixou um modelo que seria replicado até ao final do século XIX, com a evocação recorrente de personagens da mitologia clássica (Lísia, Minerva, Marte), com as reprimendas ao rendeiro do dízimo de Urgezes, ou com os avisos aos ginjas, ao sórdido taful e ao audaz caixeiro, a quem estavam destinadas duras penas, caso se intrometessem nos festejos. Mas, acima de tudo, com os versos que eram dedicados àquelas que seriam o centro da atenção dos estudantes no dia de S. Nicolau, as raparigas, as belaso condigno ornamento das janelas.

Atormentado por uma saúde frágil, João Evangelista de Morais Sarmento faleceu a 20 de Outubro de 1826, alguns meses depois de ter ficado viúvo pela segunda vez, na sua casa na rua da Tulha, em Guimarães. Foi sepultado na capela dos Terceiros de S. Francisco.

Personalidades Nicolinas

António Joaquim de Almeida Gouveia

1816-1905

Apesar de quase esquecido, António Joaquim de Almeida é uma figura incontornável na história das Festas Nicolinas. Tendo sido abandonado na Roda de Fafe, na noite de 28 para 29 de Agosto de 1816, nada sabemos da sua origem nem da sua infância, até que o encontrámos em Guimarães no início da década de 1830. Foi, durante toda a vida que lhe conhecemos, um activo militante da causa nicolina e um guardião da sua memória.

Três vezes foi pregoeiro, em 1831, 1838 e 1844 (este pregão teve dois declamadores, Inácio do Lago, que deu voz a Mercúrio, e António Gouveia, que fez de Minerva, lendo uma estrofe de apresentação). Em 1835, foi um dos autores do processo de reivindicação da renda de Urgezes à Colegiada que andou a correr pelos tribunais. Em 1837, foi um dos fundadores da Associação Escolástica Vimaranense, cujos estatutos subscreveu. Em 1839 foi secretário da Comissão de Festas. Em 1848, declamou nas festas um soneto do cónego António de Oliveira Cardoso

Durante 56 anos, foi cartorário na Ordem Terceira de S. Domingos. Casou em 1867, com Rosa Margarida Neves Almeida, de quem teve um filho a quem deu o nome do autor dos mais antigos pregões de S. Nicolau de que há memória, João Evangelista.

É a António Joaquim de Almeida Gouveia que devemos o não se terem perdido muitos dos pregões do século XIX, que coligiu e arquivou, permitindo ao Abade de Tagilde que os copiasse e guardasse na Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento.

António Joaquim de Almeida Gouveia faleceu aos 88 anos, no dia 13 de Fevereiro de 1905. Ainda em vida, João de Meira homenageara-o no pregão de 1903, com uma dedicatória em forma de poema “ao vimaranense que em mais arredada época tomou parte nas Festas de S. Nicolau”, que começa assim:

És tão velho, velhinho prazenteiro,

Que eu não sei, neste mundo ingrato e mau,

Se foste tu o que nasceu primeiro,

Ou se nasceu primeiro Nicolau!

Personalidades Nicolinas

Jerónimo Ribeiro da Costa Sampaio

1872-1954

Jerónimo Sampaio nasceu em S. Sebastião no dia 17 de Fevereiro de 1872. A paixão nicolina vinha-lhe do berço, já que o seu pai, Domingos Ribeiro da Costa Sampaio, a quem chamavam o menino de ouro, tinha sido o pregoeiro das festas de S. Nicolau de 1862. Estudou em Guimarães e em Braga.

Terminados os estudos, a pedido de Francisco Agra, à época um poderoso caudilho político local, assumiu, com António da Silva Bastos, a direcção do jornal O Comércio de Guimarães”, que ficara vaga por morte do fundador, António Joaquim de Azevedo Machado. Embora os nomes de ambos nunca tivessem figurado no cabeçalho do jornal, mantiveram-se em funções até que os herdeiros da empresa do jornal atingissem idade suficiente para as desempenhar.

Defensor consequente das causas locais, colaborou, desde muito jovem, em diversos jornais, tendo também sido correspondente do Comércio do Porto. Nas suas crónicas jornalísticas cultivou o refinado sentido de humor que fazia parte do seu modo de ser. Integrou a direcção da Sociedade Martins Sarmento e a Mesa da Ordem de S. Francisco. Era presença assídua em festas de beneficência, onde costumava recitar poesias de alguns dos seus amigos, como Bráulio Caldas, Arnaldo Pereira e o Padre Gaspar Roriz.

A causa nicolina foi aquela em que se envolveu mais intensamente até aos seus últimos dias, assumindo-se como a força motriz do grupo de entusiastas que, em 1895, fará ressurgir as festas, que então abeiravam a extinção. Mas o seu envolvimento na causa dos estudantes de Guimarães vinha de trás. São da sua lavra os estatutos do Grémio Académico que foram aprovados em sessão da Academia Vimaranense, realizada no dia 18 de Fevereiro de 1892, na sala das sessões da Sociedade Martins Sarmento.

Com José Luís de Pina, Alberto Margaride, António Leite de Castro, Francisco Martins Ferreira, Fernando Lindoso, Francisco Neves Pereira, entre outros, Sampaio integrou a Comissão que relançou as festas em 1895. Nesse ano, foi muito aclamado na sua função de pregoeiro, que repetiu em 1897. Daí para a frente, a sua opinião seria sempre escutada pelos jovens organizadores das Festas Nicolinas, que sempre respeitaram a sua voz experiente e autorizada, nomeadamente nas escolhas que tinham que fazer quando chegava a hora de endereçar convites aos autores do Pregão ou das Danças.

Em 1920, quando se comemoraram os 25 anos do ressurgimento das festas académicas, integrou o elenco do Auto da Saudade, escrito pelo Padre Gaspar Roriz. Em 1945, também integrou a Comissão que promoveu a comemoração das Bodas de Ouro. Em 1953, Jerónimo Sampaio ainda participou no cortejo das maçãs, ao lado do seu filho Jaime e do seu neto, todos eles integrantes de uma dinastia de pregoeiros nicolinos, que já ia em quatro gerações. Desfilaram num carro em que o bombo nicolino figurava como elemento central.

O poeta Jerónimo de Almeida chamou-lhe a última expressão do velho romantismo vimaranense. Jerónimo Sampaio faleceu no dia 11 de Novembro de 1954.

Personalidades Nicolinas

Bráulio Lauro Pereira da Silva Caldas

1865-1905

Nasceu em Vizela, no dia 8 de Maio de 1865. Era filho de um professor do ensino primário, António Pereira da Silva Caldas, e sobrinho de Pereira Caldas, o prolífico erudito que foi professor no Liceu de Braga, autor de um pregão de 1844 que não chegou a ser lido, provavelmente pela ousadia com que se dirigia às belas (Vossos peitos abri, sexo mimoso, / Fruí hoje de amor ardente gozo). Como o seu tio mais famoso, Bráulio Caldas também seria professor do Liceu de Braga e escreveria pregões memoráveis.

Bráulio fez o Liceu em Braga, onde, em 1883, concluiu os estudos preparatórios. No ano seguinte, matriculou-se nas faculdades de Teologia e de Direito da Universidade de Coimbra, onde se destacou pela sua capacidade de trabalho, aliada a uma ânsia insaciável de saber e de desvendar os segredos da natureza. Rapidamente se tornou um modelo a seguir pelos estudantes mais novos (as sebentas de Bráulio serviriam, durante muitos anos, a outros estudantes). Em 1888, concluiu a formatura em Teologia. No ano seguinte, terminou o curso de Direito, iniciando a sua carreira na advocacia, cedo se destacou pela eloquência e sabedoria que colocava ao serviço dos seus clientes, muitas vezes pobres a quem não cobrava pelos seus serviços. Tinha fama de conseguir, quase sempre, a absolvição daqueles que defendia na barra do tribunal, fosse pela lei, fosse pela compaixão que suscitava com as suas intervenções apaixonadas.

Foi também professor. Depois de alguns anos a leccionar aulas particulares, em 1903 foi nomeado professor do Liceu Central de Braga, onde regeu as cadeiras de Português, Latim, Alemão e Geografia.

Dedicou-se às letras. Escreveu em jornais, mas hoje é recordado, acima de tudo como o poeta dos versos ternos e maviosos com que cantou os murmúrios do rio que atravessa a sua terra natal e pelos versos de canções que alcançaram grande sucesso, como a Canção da Noite (Murmura rio murmura), inicialmente baptizada com o título de Fado das Três Horas, por ter sido àquela hora da madrugada que foi improvisado, num barco a vaguear pelo rio Vizela, com o poeta e o autor da música, Reinaldo Varela, a bordo.

A ligação de Bráulio às festas de S. Nicolau vinha de longe. Em 1881, quando não tinha mais de 16 anos, publicou no jornal humorístico Formigueiro uns versos dedicados a uma ingrata Beatriz:

E contemplando os jovens, no folgar,

De Nicolau mirava a festa airosa,

Maçãzinhas colhendo à mão briosa

Que buscava co'a a lança amor domar.

E p'ra mim, nem ao menos ela olhava!

Bráulio Caldas foi o autor do pregão do ressurgimento das festas nicolinas de 1895, uma composição inovadora, que introduz um novo modelo, afastando-se das fórmulas quase intemporais que vinham desde João Evangelista de Morais Sarmento e passando a cumprir, para além do seu papel de anúncio das festas do dia 6 de Dezembro, uma função de crítica satírica aos tempos que se viviam.

Bráulio seria o autor dos últimos seis pregões do século XIX, todos eles compostos, como se escreveu no jornal Vimaranense de 7 de Dezembro de 1897, de “primorosos alexandrinos, que irrompem com ciclópico arrojo para terminar num mavioso lirismo, como só o sabe fazer o nosso ilustre amigo sr. dr. Bráulio Caldas”.

Além dos pregões e de diversos poemas nicolinas, Bráulio Caldas é o autor das Danças dos Velhos de 2001.

Faleceu em Vizela, aos quarenta anos, no dia 17 de Outubro de 1905. Em 31 de Março de 1935, Guimarães homenageou-o na Penha, por iniciativa daquele a quem apelidava o seu demo, Jerónimo Sampaio.

Personalidades Nicolinas

João Monteiro de Meira

1881-1913

João de Meira nasceu em Guimarães a 31 de Julho de 1881. Era filho de Joaquim José de Meira e de D. Adelaide Monteiro de Meira. O seu pai era um prestigiado médico e cirurgião, político e homem de cultura. Seguiria as pisadas do progenitor, concluindo o curso de medicina no Porto, em 1907, com uma tese intitulada O concelho de Guimarães (Estudo de demografia e nosografia). Em 1908, concorreu a professor substituto na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde se formara, com um trabalho sobre O Parto Cesáreo. Dedicar-se-ia à docência naquela escola até à sua morte prematura, ocupando a cátedra do seu mestre Maximiano de Lemos.

João de Meira cresceu numa cidade que fervilhava de actividade intelectual, circunstância que influenciou o seu espírito curioso e inquieto, tendo sido marcado pela convivência com eruditos amigos de seu pai, como Martins Sarmento, Alberto Sampaio ou o Abade de Tagilde. Com forte inclinação para a literatura e para a escrita poética, publicou os seus primeiros escritos ainda muito jovem. Ainda antes dos 20 anos, publicou na revista A Memória, sob o pseudónimo de Homo, uma série de textos que deixavam antever um escritor de largos recursos, e que, segundo um biógrafo, já revelavam Meira como “um escritor da raça de Camilo”.

João de Meira também se dedicou aos estudos históricos, produzindo estudos que ainda hoje são referências incontornáveis para qualquer pesquisa da história local de Guimarães. Irreverente e inconformista, questionou verdades históricas que então se tinham por incontestáveis. Se a morte o não tivesse levado tão cedo, teria sido ele o continuador do Abade de Tagilde na organização dos Vimaranis Monumenta Historica. Ao lado do académico, senhor de uma escrita contida e rigorosa, em Meira perfila-se o autor irónico e dúctil, dotado de um fino sentido de humor e senhor de uma capacidade de escrita incomum, de que se serve para a imitação dos estilos de inúmeros escritores, habilidade que esteve na origem de alguns equívocos que fizeram correr muita tinta.

Entusiasta das festividades que os académicos de Guimarães dedicam a S. Nicolau, João de Meira participou, enquanto estudante, no ressurgimento das festas em 1895. Além de ter estudado e divulgado a sua história (João de Meira é o primeiro dos historiadores das Festas Nicolinas), foi autor dos bandos escolásticos dos anos de 1903, 1904 e 1905, além de ter escrito diversos outros textos relativos às festas dos estudantes. No pregão de 1904, João de Meira introduziu o termo pelo qual os festejos estudantis a S. Nicolau passaram a ser conhecidas, festa nicolina ou festas nicolinas:

Rapazes! Nossa música divina

Capaz de estremunhar até Morfeu!

A Música da festa Nicolina

Que a terra abala e desconjunta o Céu!

A morte levou João de Meira no dia 25 de Setembro de 1913, quando mal completara 32 anos de idade.

Personalidades Nicolinas

Gaspar da Costa Roriz

1865-1932

O Padre Gaspar da Costa Roriz é uma das figuras mais marcantes das primeiras décadas do século XX em Guimarães. Nascido na rua de D. João I no dia 30 de Agosto de 1865, filho de um mestre barbeiro, nunca esqueceu a sua origem humilde nem deixou de amar a terra que o viu nascer. Sacerdote e eminente orador sagrado, era frequentemente requisitado para abrilhantar solenidades religiosas nos lugares mais diversos. Mas os seus dotes oratórios não se limitavam a actos sagrados, sendo senhor de uma verve prodigiosa, com que animava todo o género de eventos, públicos ou privados. Foi jornalista (em 1899 era redactor principal do Eco de Guimarães; em 1908 fundou o Regenerador, de que era director e proprietário), professor do Liceu, poeta, dramaturgo, encenador, conferencista, político, comissário da Ordem Terceira de S. Francisco de Guimarães. Grande conversador, era presença imprescindível nas tertúlias do seu empo, onde se destacava pela cultura, pela devoção patriótica à sua cidade e pela finura da sua ironia. Padre-artista lhe chamou um dia um colega de ofício.

Gaspar Roriz foi um dos grandes animadores das festas dos estudantes de Guimarães a S. Nicolau, desde o seu ressurgimento em 1895. Marcava presençana posse do Padre Monteiro, onde a sua figura roliça irradiava boa disposição, escreveu os pregões de 1906, 1924, 1925 e 1926, compôs e ensaiou os textos das danças, dedicou diversas composições poéticas às festas. Consagrou-lhes também o Auto da Saudade, que escreveu em 1920. Não foi por acaso que foi a Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães, então dirigida por António Faria Martins, a tomar a iniciativa da comemoração do centenário do seu nascimento, em 1965.

O nome do Padre Roriz é também indissociável das festas Gualterianas, ou não fosse ele o autor da letra do Hino da Cidade de Guimarães, composto por Aníbal Vasco Leão para as festas de 1906, e o inventor da Marcha Gualteriana, que saiu à rua pela primeira vez nas festas de 1907.

Mas o que mais distinguia o Padre Roriz era a sua dedicação a Guimarães, a sua paixão pela terra natal. Por aqui, todos sabiam que a porta da sua casa nunca deixava de se franquear alegremente a quem a ela batia e dizia a senha: Por Guimarães!

A última grande cerimónia em que discursou em público foi aquando da celebração do oitavo centenário da Batalha de S. Mamede, em 1928. Nesse dia, quando soaram os clarins de um pelotão de cavalaria, vestidos como os soldados de Afonso Henriques, acompanhando o içar da bandeira na torre de menagem do castelo, com a multidão a explodir em vivas e aplausos, pelo rosto do Padre Roriz corriam lágrimas, de que A. L. de Carvalho foi testemunha.

A notícia da sua morte cobriu Guimarães de luto no dia 7 de Março de 1932.

Personalidades Nicolinas

Jerónimo de Almeida

1886-1975

Jerónimo António de Almeida nasceu em Guimarães em 23 de Junho de 1886. Era filho de Eduardo Manuel de Almeida, figura destacada da burguesia vimaranense, e Eduardo de Almeida, destacado advogado, escritor e político vimaranense. Estudou no Colégio de S. Dâmaso, no antigo convento da Costa, que abandonou, sem completar o curso liceal, para ir para a Inglaterra, frequentar St. George's College. Prosseguiu os seus estudos em Liverpool e em Lacombe, na França, onde frequentou uma escola de artes, onde se fez notar pelo seu talento para o desenho, a que apenas se dedicou como amador. Uma doença obrigou-o a regressar a Guimarães. Trabalhou na Companhia de Fiação e Tecidos de Guimarães e do Banco Nacional Ultramarino. Em 1958 retirou-se para a Quinta de Vila Verde, onde se dedicou à escrita.

Dedicou-se a causas públicas. Colaborou intensamente com a Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento. Foi juiz de diversas irmandades, nomeadamente da de S. Nicolau. Trabalhou pelo desenvolvimento da Penha, tendo desempenhado um papel relevante no processo de aquisição da talha da antiga igreja de Santa Clara, que acabaria por desaparecer num incêndio. Foi o principal promotor da subscrição pública para a compra do relógio da igreja de S. Dâmaso.

Colaborou em diversas publicações periódicas, onde deixou, para além de poesia, abundante colaboração sobre os monumentos e o património de Guimarães.

Ainda não tinha 20 anos quando publicou o seu primeiro livro de poesia, Trenos, que foi bem acolhido pelo poeta Afonso Lopes Vieira, que apelidou o jovem autor de “apóstolo da Beleza”. Na sua vasta bibliografia, para além de poesia, publicou algumas peças de teatro, um estudo sobre os azulejos da igreja de S. Dâmaso e um Roteiro da Cidade de Guimarães, de que saíram várias edições.

Apaixonado das Festas Nicolinas, para as quais escreveu diversos textos, de que se destacam os seus pregões, de que foi o mais prolífico dos compositores. Escreveu pregões para 1907 (que circulou impresso, sem que tenha sido declamado), 1910, 1919, 1920, 1921, 1928, 1931, 1932, 1934, 1937, 1949, 1957, 1969. Ao todo, treze pregões repartidos por sete décadas.

Jerónimo de Almeida faleceu aos 88, no dia 22 de Fevereiro de 1975.

Já se perde nas brumas da memória

A lembrança do tempo que passou,

Já ninguém contar sabe agora a história

De quando a nossa Festa começou!

Mas se alguém existir e tenha a glória

De afirmar que tal data desvendou,

De cuidados se tire e, sem assombros,

A nossa capa negra deite aos ombros!

(Jerónimo de Almeida, Pregão de S. Nicolau de 1931)

Personalidades Nicolinas

Ana Joaquina de Magalhães Aguiar, a Senhora Aninhas

1860-1948

Ana Joaquina de Magalhães Aguiar era filha do ferrador António José de Aguiar e de Antónia de Magalhães, moradores no lugar da Pica, na freguesia de S. Martinho de Quinchães, em Fafe, onde veio ao mundo no dia 14 de Outubro de 1860. Teve o destino de muitas raparigas humildes da sua geração, que partiam das terras de Fafe e de Basto para servirem como criadas na cidade de Guimarães, trazendo consigo a esperança de acumularem um pecúlio e um enxoval que lhe permitissem o casamento, o que muitas vezes tardava e, outras tantas, não chegava a acontecer. Ana Joaquina casou em 27 de Setembro de 1893, com António André, natural do Couto de Dornelas, em Boticas, o funcionário do seminário-liceu que manejava a campainha com que se anunciava a chegada dos professores para as aulas.

Após o casamento, Ana Joaquina foi viver para uma casa na rua de Santa Maria, situada quase à entrada do antigo largo do Seminário-Liceu, no extinto Convento de Santa Clara de Guimarães. Tinha uma pequena loja onde trocava farinha por cereal em grão e vendia mercearia e produtos da horta. Era ali que os estudantes acorriam nos intervalos das aulas, a comprar cigarros. Alguns deles faziam as refeições na sua loja. Muitos daqueles jovens eram de longe e Ana Joaquina dava-lhes amparo de mãe.

A Seraninhas tornou-se numa figura marcante da vida estudantil e Guimarães na primeira metade do século XX. Deram-lhe o título de Madrinha dos Estudantes.

Um dos seus clientes mais antigos, António de Quadros Flores, que seguiu a carreira militar, chegando a coronel, recordou a imagem que guardava da senhora Aninhas desse tempo, que nos vendia os “trigos” quentinhos e estaladiços, num texto que, transcorrido mais de meio século, dedicou ao jornalista Joaquim Novais Teixeira, seu primo: pequenina, coradinha, sempre risonha, acolhedora e maternal, cuja vozinha meiga nos protegia e aconselhava, e se interessava pelas nossas lições, alegrias e pequenas tristezas.

Em 1945, quando os académicos veteranos se reuniram para assinalarem o cinquentenário do ressurgimento das Festas Nicolinas, homenagearam a Senhora Aninhas, que foi recebida quase em delírio quando, levada ao colo, entrou na sala do refeitório do Internato Municipal, onde várias gerações de estudantes se juntaram num jantar de confraternização.

A Senhora Aninhas dos Estudantes faleceu no dia 2 de Agosto de 1948. O seu funeral constituiu uma impressionante manifestação de pesar. O caixão, coberto pela bandeira da Academia Vimaranense, foi conduzido pelos estudantes do Liceu.

Em 1951, o seu nome foi atribuído à viela que liga a rua de Santa Maria ao Largo dos Laranjais, que passou a designar-se Travessa da Senhora Aninhas — Madrinha dos Estudantes.

No dia do Pinheiro de 1971, o escritor e velho nicolino Manuel de Boaventura, em nome da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães, descerrou na casa da Senhora Aninhas uma lápide onde se lê:

Aqui nos abriste o peito;

Aqui te quisemos bem;

Aqui foste, de Estudantes

Conselheira e Santa Mãe.

Personalidades Nicolinas

José Luís de Pina

1874-1960

José Luís de Pina nasceu na rua Paio Galvão, a 29 de Janeiro de 1874. Era filho Luís de Pina, reconhecido mestre na arte da serralharia, natural de Pindo, freguesia de Penalva do Castelo, e de Eugénia Maria Ferreira. Foi um dos primeiros alunos da Escola Industrial Francisco de Holanda, que começou a frequentar aquando da sua abertura, no início de 1885, onde obteve excelentes resultados escolares. Em 1892, numa exposição s daquela escola Industrial, foram particularmente apreciados os seus trabalhos para a disciplina de ornato, aguada e decoração, regida pelo professor alemão Paul von Wagner. Simultaneamente, frequentou o Seminário-Liceu de Guimarães. Concluiu as cadeiras de Geometria Descritiva e Desenho na Academia Politécnica do Porto.

Em 1896, foi designado professor-interino de Desenho no Seminário-Liceu, onde passou a efectivo em 1902, depois de uma breve passagem pelo Liceu de Vila Real. Em Outubro de 1910, foi eleito reitor, funções que ocupou até 1929. Continuou a leccionar no Liceu de Guimarães até 1942, ano em que se jubilou e em que foi homenageado pelos seus antigos alunos.

José Luís de Pina sempre marcou presença nas grandes manifestações cívicas da sua cidade. Um dos carros do cortejo que homenagem Francisco Martins Sarmento, que percorreu as ruas de Guimarães em 1900, saiu das suas mãos. Esteve entre os impulsionadores das Festas Gualterianas, colaborando na concepção da ornamentação das ruas e na preparação e carros alegóricos para a Marcha Gualteriana, para as quais inventou os característicos bonecos articulados. Desde muito jovem, integrou a corporação dos Bombeiros Voluntários de Guimarães, a maior paixão da sua vida, de que foi 2.º comandante (desde 1910) e 1.º Comandante (em 1933). Em 1948 foi aclamado Comandante Honorário daquela corporação. Foi vereador, membro da direcção da Sociedade Martins Sarmento, com funções de director do Museu e das Estações Arqueológicas, dedicou-se à arqueologia, integrou a Comissão de Turismo de Guimarães.

Mas, antes de tudo o mais, José Pina foi um dos membros da Comissão que, em 1895, restaurou as festas dos estudantes de Guimarães, onde exerceu o cargo de tesoureiro. Em 1920 e 1945 integrou as comissões que promoveram as celebrações das bodas de prata e de ouro do ressurgimento das festas que, enquanto professor e reitor do Liceu, sempre acarinhou.

José Luís de Pina é o autor do desenho da bandeira da Academia de Guimarães.

José Luís de Pina, a quem A. L. de Carvalho chamou “o praticante activo da bondade”, faleceu no dia 19 de Dezembro de 1960.

Em 1969, a AAELG recebeu na Torre dos Almadas o busto do Professor Pina, que lhe foi entregue pela viúva do seu autor, o escultor António de Azevedo.

Personalidades Nicolinas

Manuel Joaquim de Boaventura

1874-1960

O escritor Manuel de Boaventura nasceu em 1885, numa família abastada da freguesia de Vila Chã, do concelho de Esposende. Perdeu a mãe quando tinha sete anos e passou a viver com um tio que foi professor no Magistério Primário de Leiria e na Escola Normal do Porto. Foi em Leiria que completou a instrução primária. Em 1899, por escolha do seu pai, também ele professor, ingressou no Seminário-Liceu de Guimarães, para iniciar os estudos do ensino secundário. Vinha, como escreveria mais tarde, para a “Meca da ciência haurir os primeiros sorvos da cultura, ministrado por mestres eminentes, com fama de sábios por toda a Região”.

Desde muito novo, Manuel de Boaventura dedicou-se aos estudos etnográficos, recolhendo velhas narrativas, lendas e tradições, populares de transmissão oral, para além de se afirmar como contista de mérito. É autor de diversas obras publicadas em livro, nomeadamente Solar dos Vermelhos, Vocabulário Minhoto, Contos do Minho, Leite de Vasconcelos Animador dos Novos, Contos para o Povo e Histórias Contadas à Lareira. Foi Inspector-chefe do Ensino Primário em Leiria, director escolar em Braga e na Guarda e exerceu o cargo de presidente da Junta Geral do Distrito de Leiria.

A sua permanência em Guimarães não se alongou por muito tempo (matriculou-se no Seminário-Liceu em 1899 e em 1903 completou o curso do Magistério, em Leiria), mas a memória do tempo em que foi estudante em Guimarães perdurou por toda a sua vida, como o recordará 60 anos mais tarde, no ano em que o Liceu de Guimarães se despediu do velho convento de Santa Clara.

Em 1959, o programa das festas dos “velhos nicolinos” foi particularmente preenchido. Manuel de Boaventura, já então com 74 anos de idade, participou nos festejos. Na ceia que se realizou no restaurante Jordão, aquando dos brindes, teve uma intervenção em que relembrou o Cónego José Maria Gomes.

Naquela mesma noite, Manuel de Boaventura escreveu um texto em que registou a memória da sua breve passagem por Guimarães, no tempo de estudante em que se fez nicolino, e as “impressões do momento” da ruidosa celebração em que acabara de participar. 1959. Um texto que é uma declaração de amor a Guimarães, que, nas suas palavras, iguala “os carinhos familiares” que dispensava “ao terrunho nativo”. Aí se declara vimaranófilo.

Foi a sua primeira vez nestes encontros de antigos estudantes do Seminário-Liceu e do Liceu. Mas não seria a última. No final do texto que publicou no Notícias de Guimarães, deixava uma promessa:

Pela primeira vez, marquei aqui a minha presença; não faltarei a outras que se realizem, porque — recordar é viver, e eu quero, ainda, viver!

Cumpriu o que prometeu. Em alguns dos anos que se seguiram presidiu à confraternização da noite do Pinheiro por ser, de entre os presentes, o mais velho dos velhos. Estaria presente em vários actos da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu. Foi Manuel de Boaventura quem, no dia 29 de Novembro de 1971, descerrou a lápide de que homenageia a Senhora Aninhas na fachada da sua casa na rua de Santa Maria.

O escritor Manuel de Boaventura faleceu num acidente de automóvel em Barcelos, no dia 24 de Abril de 1973.

Personalidades Nicolinas

António Faria Martins

1896-1980

António Faria Martins nasceu em Guimarães no dia 28 de Junho de 1896. Frequentava o Seminário-Liceu quando se deu a transição da monarquia para a República. Foi guarda-livros correspondente do Banco Pinto Magalhães, exerceu as funções de vereador da Câmara Municipal de Guimarães, antes e depois do 25 de Abril, presidiu ao Vitória Sport Clube, integrou os Bombeiros Voluntários de Guimarães e esteve entre os fundadores do Rotary Club de Guimarães. É o autor da proposta de criação da Associação de Antigos Alunos do liceu de Guimarães.

Em 1945, teve intervenção muito activa na celebração do ressurgimento das festas. Integrou a comissão organizadora e a subcomissão que ficou encarregada de pôr em marcha o cortejo da entrada do Pinheiro cuja organização, naquele ano, foi entregue aos velhos. Na Posse dos Velhos, deu voz a versos que o poeta Leão Martins compôs. No Sarau de Gala do dia 6, em que os Velhos de 1895, a Senhora Aninhas e o Cónego Alberto Vasconcelos, velho professor do Liceu, foram levados em triunfo, António Faria Martins desempenhou um dos principais papéis na revista Guimarães Monumental, escrita por Luís Filipe Coelho e Leão Martins.

Uma doença impediu-o de comparecer no jantar de com fraternização do Pinheiro do ano em que o Liceu se despediu do velho convento de Santa Clara. Marcou presença por carta em que lançou uma ideia que frutificaria: a criação de uma associação de antigos alunos do Liceu, que foi acolhida com o aplauso dos presentes. A Associação seria instalada e António Faria Martins seria o primeiro presidente da sua direcção e, depois, até à sua morte, presidente da mesa da Assembleia Geral.

Em 1967, era presidente da direcção da AAELG, tendo sido o autor do pedido que levaria à cedência, pela Câmara Municipal de Guimarães, da Torre dos Almadas, para aí ser instalada a sede da Associação.

Numa entrevista que deu ao Povo de Guimarães, por altura das Festas Nicolinas de 1993, quando lhe pediram que indicasse “três ou quatro figuras nicolinas que lhe ficaram na memória”, o Nicolino-Mor Hélder Rocha não teve que pensar muito para responder: Jerónimo Sampaio, José de Pina, António Faria Martins e a Senhora Aninhas.

António Faria Martins faleceu no dia 30 de Junho de 1980.

Hélder Raul de Lemos Rocha, nasceu no dia 15 de Novembro de 1916, na Rua Paio Galvão, em Guimarães. Em 1927 começou a frequentar o Liceu Martins Sarmento. Foi nesses dias que se tornou nicolino, para a vida. Uma doença grave afastou-o dos estudos durante seis anos. Quando regressou ao Liceu, envolveu-se directamente na organização das Festas Nicolinas. Foi Pregoeiro em 1935 e 1936. Concluídos os estudos na Universidade de Coimbra, regressou a Guimarães formado em engenharia. Durante mais de meio século, esteve ao serviço das causas da sua cidade. Nas páginas do Notícias de Guimarães dedicou-se ao jornalismo, em nome próprio ou sob o pseudónimo de Pedro de Vimaranes, com que subscrevia a crónica “Esquina do Toural”, muito lida e comentada no velho burgo vimaranense. Mais tarde, será um dos fundadores do jornal O Povo de Guimarães, onde exerceu, entre 1978 e 2002, funções de chefe da redacção.

Envolveu-se no dirigismo desportivo, tendo sido presidente do Vitória Sport Clube e membro da direcção da Federação Portuguesa de Futebol. Na política, participou nos movimentos de oposição à ditadura do Estado Novo, o que lhe valeu ser preso às ordens da PIDE. Após o 25 de Abril, foi deputado municipal.

Toda a vida foi um entusiasta da tradição nicolina, mas dela não tinha uma visão cristalizada. Tendo sido testemunha de vários momentos de degenerescência das festas, entendia que, para manterem a sua vitalidade, as Nicolinas tinham que se ir adaptando ao tempo que passava, sem que perdessem a sua identidade. Muitas vezes sustentou posições que iam a contracorrente das ideias que eram perfilhadas pelos que se assumiam como defensores da “pureza original” das festas. No início da década de 1960, defendeu que os estudantes do Colégio Egas Moniz, então criado, tinham o direito de participar nas festas; no início da década de 70, ainda antes do 25 de Abril, já antevia a abertura aos estudantes das outras escolas da cidade; mais tarde, defendeu exactamente o mesmo em relação aos estudantes da Universidade do Minho, assim como a participação feminina no Cortejo do Pinheiro.

A assembleia geral da Associação dos Antigos Estudantes do Liceu, de que foi um dos fundadores, aclamou-o Nicolino-Mor, na sua reunião de 29 de Novembro de 1988. A proposta foi apresentada pelo autor do pregão daquele ano, Joaquim Amaral Pereira da Silva, e chegou em forma de soneto, que rezava assim (releve-se a falta de pontaria no primeiro verso da segunda estrofe, já que Hélder Rocha foi pregoeiro na década de trinta…):

Retrato de um velho Nicolino

Antigo Nicolino representa

A vivência maior da tradição

E de ano para ano reinventa

Mais motivos para elo de afeição.

Pregoeiro nos anos de quarenta

Foi todo arte e graça no Pregão

E ainda, hoje, com força ele aguenta

Um bombo bem seguro em sua mão.

No rastro de Jerónimo Sampaio

A outros grandes nomes compara-o

Cintilações de estrela dele vem

O povo sabe o seu nome de cor

Hélder Rocha e sem denegrir ninguém

É no presente o “Nicolino Mor”.

O Nicolino Mor faleceu no dia 17 de Janeiro de 1905. E muito se tem feito notar, desde então, a ausência da sua figura peculiar no Cortejo do Pinheiro.

Personalidades Nicolinas

Hélder Raul de Lemos Rocha

1896-1980

Francisco Ribeiro, nascido em Guimarães no dia 9 de Outubro 1958, é um dos mais destacados militantes da causa nicolina ao longo das últimas décadas. Integrou a Comissão das Festas três anos consecutivos, em 1975 como como segundo vogal, em 1976 e em 1977 como tesoureiro. Para a história ficará como o último pregoeiro de uma comissão de festas dos estudantes do Liceu de Guimarães, assim designado (o Liceu foi extinto no ano seguinte, por força da generalização do ensino secundário unificado, passando a designar-se Escola Secundária Martins Sarmento).

Nas festas de 1977, o seu desempenho como pregoeiro esteve à altura das melhores memórias nicolinas. A sua voz vigorosa e bem colocada, aliada a uma dicção primorosa e à teatralidade dos gestos, elevou-o à condição de um dos grandes pregoeiros de que há registo. Fosse esse um ofício, como antigamente o era, e Francisco Ribeiro teria encontrado aí a sua vocação.

Francisco Ribeiro teve lugar cativo na corte extravagante das Danças de S. Nicolau, onde coabitam D. Afonso e D. Muma, onde deu corpo, durante quinze anos consecutivos (2000-2014), a um camareiro larilas inventado pelo autor e encenador das Danças, Miguel Bastos, que começou por se apresentar com nome próprio, Teolindo, depois com uma alcunha, o Melão, para depois ser, simplesmente, o Camareiro.

Francisco Ribeiro manteve-se fiel à sua paixão pelas Festas Nicolinas. Entre 2001 e 2008, integrou a direcção da Associação de Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães – Velhos Nicolinos. Sempre se destacou no papel de transmissor da tradição às novas gerações de estudantes e de mediador nas relações entre novos e velhos, nem sempre isentas de turbulências e inquietações. Consensualmente reconhecido como lídimo representante da tradição nicolina, em 2002 assumiu a presidência da assembleia de estudantes, que se reúne em volta do chafariz do Toural para proceder à eleição das comissões das Festas Nicolinas. Cumpriu essa missão até ao fim dos seus dias.

Francisco Ribeiro foi, durante anos, o companheiro mais próximo do mais velho dos velhos nicolinos, o Professor Emídio Guerreiro, de quem seria, mais do que secretário, um amigo de todos os dias. Perto de completar 106 anos, sentindo-se cansado de tanto viver, por perceber que o corpo já não correspondia às exigências do seu espírito fervilhante e por pressentir que a morte rondava, terá dito: “Chico, acabou-se o circo. Fecha a porta”.

Já com Francisco Ribeiro, a vida teve demasiada pressa. Levou-o aos 57 anos, no dia 10 de Agosto de 2016. A sua voz ficará, para sempre, ligada à memória Nicolina.

Ó Chico, a tua voz de pregoeiro

Ainda ecoa nas praças da cidade

A tua caixa à frente do Pinheiro

Brindando com fervor à amizade

(Miguel Bastos)

Personalidades Nicolinas

Francisco da Cunha Oliveira Ribeiro

1958-2016

Aqui fica uma proposta de nota biográfica, redigida com base nos elementos que forneceu, procurando honrar a memória e o espírito nicolino do homenageado.

José Maria Magalhães (1944– 2020),  o eterno D. Afonso e guardião da chama nicolina, figura cuja identidade se entrelaçou, de forma apaixonada e indelével, com a alma vimaranense e, muito particularmente, com o pulsar vibrante das Festas Nicolinas.

José Maria Magalhães não foi apenas um espectador da festa académica mais antiga do país; foi um dos seus protagonistas mais carismáticos e um entusiasta fervoroso. A sua dedicação à causa nicolina manifestou-se ao longo de décadas, tornando-o uma referência para múltiplas gerações de estudantes que viam nele o exemplo do "sentir nicolino".

No panteão das memórias nicolinas das últimas décadas, a sua imagem destaca-se com uma nobreza singular. Durante muitos e bons anos, José Maria Magalhães emprestou o seu porte, a sua voz e a sua devoção à figura cimeira de D. Afonso Henriques nas tradicionais "Danças de S. Nicolau". Para muitos vimaranenses, ele era o Conquistador no palco da representação estudantil. Não se tratava apenas de desempenhar um papel; era uma encarnação que conferia à sátira e à folia estudantil uma gravidade e um respeito histórico que equilibravam o espetáculo. A sua presença em cena era aguardada e celebrada, um pilar de estabilidade na vertigem da festa.

O seu entusiasmo, contudo, não se esgotava no palco das Danças. Era um guardião lúcido da tradição. A sua paixão era palpável nas suas intervenções sobre a festa. Fica para a memória, entre outros testemunhos, a entrevista concedida ao jornal online Mais Guimarães, onde as suas palavras transpareciam o amor genuíno pelas Nicolinas, defendendo a sua essência e a importância da transmissão deste legado cultural único aos mais novos. Para José Maria Magalhães, ser nicolino era um estado de espírito vitalício, uma forma de pertença inquebrantável.

José Maria Magalhães pode ter partido fisicamente, mas permanece na memória coletiva de Guimarães como um símbolo de dedicação. O seu legado perdura em cada dezembro, sempre que as caixas rufarem e a cidade celebrar o  padroeiro dos estudantes.

Personalidades Nicolinas

José Maria Magalhães

1944-2020