As Ceias

subtítulo

Apesar de encontrarmos, no passado, exemplos esparsos de velhos estudantes que se reúnem à mesa para conviverem, evocando tempos passados nos bancos da escola e nos festejos a S. Nicolau, a tradição das ceias Nicolinas na noite da entrada do Pinheiro, 29 de Novembro, é muito recente, se tivermos em conta a antiguidade das festas.

Temos que recuar até início do século XX para vermo,s pela primeira vez, os velhos a festejarem, com uma esplêndida ceia. Foi na noite das posses do ano de 1902. Segundo o relato do jornal Independente, no final da ceia, os convivas dirigiram-se à casa de Álvaro Costa Guimarães, que lhes ofereceu um “delicado copo… de vinhos de primeiríssima ordem que os velhotes do diabo saborearam até perto das 3 e meia horas da madrugada”.

O beberete oferecido por Álvaro Costa remete para posses particulares que aconteciam nos primeiros anos do século XX, em que um grupo de velhos estudantes se reuniam, depois de jantar, em casa de um deles, revivendo os seus antigos tempos de estudantes, enquanto aguardavam que os académicos no activo lá fossem reclamar a posse a lhes estava destinad.

Foi com uma ceia que encerrou o programa com que os velhos assinalaram as bodas de prata do ressurgimento das Festas Nicolinas. O repasto, descrito como uma modesta ceia, presidido por Jerónimo Sampaio, foi servido no Hotel do Toural na noite de8 de Dezembro de 1920. Segundo o relato do jornal Gil Vicente, a ceia “correu animadíssima, no meio da alegria mais franca, da jovialidade mais ingénua, em que todos tagarelavam como crianças, recordando peripécias de rapaz a que agora se acha um gosto especial em repetir e ouvir”.

A primeira grande ceia de confraternização nicolina na noite do cortejo do Pinheiro aconteceu no cinquentenário do ressurgimento de 1895. Foi marcada para as 21 horas do dia 29 de Novembro de 1945. As inscrições, foram abertas, com antecedência, em vários estabelecimentos comerciais da cidade. Na sua edição do dia 25, o Notícias de Guimarães anunciava:

Para a Ceia de Confraternização Nicolina, a realizar na quinta-feira próxima, dia 29, encontram-se inscritos muitos estudantes velhos — muitas dezenas deles — desta cidade e redondezas e de fora. Todos esses velhos, com indumentária própria, se incorporarão no “Pinheiro”, apresentando um carro alegórico sugestivo.

Segundo o Notícias de Guimarães, a confraternização de 1945 contou com cerca de “duzentos velhos de várias gerações, pertencentes às mais diversas categorias sociais e vindos, muitos deles, de longas paragens”. A refeição foi servida pela Pensão Império, no amplo refeitório do Internato Municipal e fixou a ementa, substancial e abundante, das ceias nicolinas: papas de sarrabulho, rojões e bucho de porco com grelos e, à sobremesa, aletria e figos. Foi presidida por José Luís de Pina, que tinha a seu lado Jerónimo Sampaio. Prolongou-se por cerca de três horas e teve uma convidada surpresa, a Senhora Aninhas. No final dos discursos e da leitura de mensagens de velhos estudantes que não puderam estar presentes, cantou-se o Hino Escolástico. Em seguida, os convivas integrarem-se no cortejo do Pinheiro.

Desse ano de 1945 também temos notícia da ceia dos novos. Foi servida na Pensão Modelar, no dia 4 de Dezembro, depois do Magusto e antes dos estudantes prosseguirem com a recolha das últimas posses e as “ demais proezas nicolinas”, isto é, as roubalheiras.

Em 1947, por altura das festas Gualterianas, abriu portas o Restaurante Jordão que ficaria ligado às Ceias Nicolinas até ao seu encerramento. Pertencia à Empresa do Teatro Jordão, que entregou a sua gerência a Paulino Ferreira Leite. Foi lá que se realizou a Ceia Dançante que substituiu das Danças e encerrou as Festas Nicolinas daquele ano.

A confraternização anual dos velhos nicolinos começou a alinhavar-se a partir de 1950, ainda sem o formato nem a constância que lhe dariam o reconhecimento como tradição. Nos anos de 1950 e 1951, aconteceu no dia 1 de Dezembro, com um almoço no Restaurante Jordão. Em 1953, os velhos apropriaram-se dos principais números das Festas, que então davam mostras de declínio, e, aproveitando a circunstância de o dia calhar a um domingo, reuniram-se para jantar na noite de 29 de Novembro, antecedendo a entrada do Pinheiro, em que iriam tomar parte.

No dia 11 de Novembro de 1956, o Notícias de Guimarães publicou uma carta de um velho nicolino que sugeria que, naquele ano, se organizasse um programa de festas próprio para os antigos estudantes, que incluísse um jantar de confraternização. Porém, será necessário chegar ao ano de 1958 para se fixar o início da tradição de solenizar a noite do Pinheiro com um jantar de velhos nicolinos.

No ano seguinte, o último em que o Liceu de Guimarães ainda funcionou no antigo convento de Santa Clara, um grupo de antigos alunos organizaram uma confraternização, que marcaram para o dia 29 de Novembro, em que se prestaria “homenagem a todos quantos passaram pelos bancos do velho Liceu”, alunos e professores e que incluiria um jantar no Restaurante Jordão. Segundo os jornais, ao jantar de 1959 compareceram “para cima de 300 antigos alunos do Liceu, homens de todas as idades e de todas as posições, das mais modestas às mais elevadas, assim como algumas dezenas de senhoras, também antigas alunas, diversos mestres, alguns deles já aposentados”. Durante a refeição, foram distribuídas pelos participantes colheres de pau e exemplares de uma brochura alusiva ao evento, com poesias de Delfim de Guimarães, de A. Garibáldi e de Júlio Soares Leite, além da ementa da ementa do repasto. Foi durante este jantar que foi lida uma carta de António Faria Martins, ausente por motivo de doença, em que sugeria a criação de uma associação dos antigos alunos do Liceu de Guimarães.

Em 1960, a reunião dos estudantes aposentados na noite do Pinheiro já é apresentada como a Ceia Anual de Confraternização dos velhos nicolinos. Naquele ano, durante o repasto, trataram-se de assuntos relacionados com a Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães (AAELG), então em organização, que já constava com algumas centenas de inscritos. Daí para a frente, a Ceia dos Velhos passaria a ser antecedida por uma reunião da assembleia geral da AAELG.

Por aquela altura, já a Ceia dos Velhos era uma tradição consolidada no quadro das Festas Nicolinas. O nicolino João Mota Prego classificou-a como uma espécie de Páscoa, que anunciava a ressurreição da mocidade de velhos estudantes de diferentes gerações. Aconteceu, ano após ano, no Restaurante Jordão, que se vestia a preceito para acolher aquela romagem de saudade e cumprir o programa, tal como consta no convite para a edição de 1969:

Comer e beber bem; evocação nicolina; Pregão dos “Velhos”; imposição do barrete nicolino; ensaio geral de caixas e bombos e avanço, na direcção do Cano, em conjunto e ribombando.

Com o andar dos tempos, a massificação do ensino, a multiplicação de tertúlias nicolinas, umas mais formais do que outras, também se multiplicaram as ceias nicolinas, umas de velhos, outras de novos, fazendo do jantar de 29 de Novembro de cada ano aquele em que os restaurantes e as tascas de Guimarães têm a sua agenda mais preenchida.