João Lopes de Faria

O dicionário de guimarães

Organista, paleógrafo, colector de efemérides

João Lopes de Faria nasceu em Guimarães, na freguesia da Oliveira, a 21 de setembro de 1860, filho de um modesto sacristão da Colegiada. Aprendeu as primeiras letras com o velho professor Francisco António Almeida e, muito novo, encontrou na igreja o seu lugar no mundo: aos oito anos entra para o serviço da Insigne e Real Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, crescendo naquele ambiente de claustro, canto coral e procissões solenes.

A vocação primeira foi a música. Lucínio Fernandes Trindade, regente da capela e da banda Boa União, dá-lhe as bases de solfejo; o cónego José de Aquino e o padre Eugénio Mota afinam-lhe o ouvido e o gosto. Em 7 de março de 1889, com 28 anos, sucede ao célebre Professsor Venâncio como organista da Senhora da Oliveira, tornando-se o décimo oitavo e último titular daquele órgão, que acompanhou as grandes festas e o lento declínio da velha instituição colegiada.

Mas a verdadeira marca de João Lopes de Faria está na paleografia. Por iniciativa do cartorário da Colegiada, padre Abílio de Passos, começa a treinar o olhar nas letras miúdas dos pergaminhos; a partir dos 29 anos lança-se num trabalho de meio século sobre arquivos e cartapácios: Colegiada, Câmara, Misericórdia, irmandades, ordens terceiras, notários, tudo passa pela sua pena. O resultado é uma obra manuscrita monumental – dezenas de volumes em couro preto, com muitos milhares de folhas de papel almaço – onde se destacam as Efemérides Vimaranenses, as Velharias da Colegiada Vimaranense, as Velharias da Misericórdia, as Escrituras públicas vimaranenses, os Pergaminhos da Câmara e outros corpus hoje indispensáveis a quem estuda Guimarães.

Sócio correspondente e depois benemérito da Sociedade Martins Sarmento, cavaleiro da Ordem de Santiago, colaborador discreto da Revista de Guimarães e da imprensa local, viveu sempre na sombra, de capa escura, entre igreja e arquivos. Em 1932, quando a cidade o homenageia, Abel Cardoso baptiza-o, numa carta aberta que recordaste no blogue, como “Dicionário de Guimarães”: o homem que sabia, de cor, o passado da terra e o punha à disposição de todos, sem vaidade nem pose. Morreu a 7 de novembro de 1944. Hoje, a rua onde se ergue o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta traz o seu nome – justa ironia para quem passou a vida a arrancar dos arquivos as histórias que lá dormiam.

joão lopes de faria, nota biográfica
Percurso
  • 1860 (21 de setembro) – Nasce em Guimarães, freguesia da Oliveira, filho de sacristão da Colegiada.

  • Infância – Primeiras letras com Francisco António Almeida; entra ao serviço da Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira.

  • Juventude – Estuda música com Lucínio Fernandes Trindade, o cónego José de Aquino e o padre Eugénio Mota; integra a capela como cantor e organista auxiliar.

  • 1889 (7 de março) – Nomeado organista titular da Colegiada, sucedendo a Venâncio; torna-se o último organista de Nossa Senhora da Oliveira.

  • c. 1889–1890 – Inicia-se em paleografia com o padre Abílio de Passos e começa a copiar sistematicamente documentos dos arquivos de Guimarães.

  • Décadas seguintes – Compõe as Efemérides Vimaranenses, as Velharias da Colegiada Vimaranense, as Velharias da Misericórdia e outros grandes conjuntos documentais; colabora na Revista de Guimarães e na imprensa local.

  • 1932 (29 de novembro) – Homenagem pública no Comércio de Guimarães; Abel Cardoso divulga a célebre “carta aberta” que o alcunha de “Dicionário de Guimarães”.

  • s.d. (século XX) – É feito cavaleiro da Ordem de Santiago da Espada e sócio benemérito da Sociedade Martins Sarmento, a quem lega os seus manuscritos.

  • 1944 (7 de novembro) – Falecimento de João Lopes de Faria; obituário sublinha a “paciência beneditina” com que salvou da poeira dos arquivos tantas páginas da história de Guimarães.

  • Época recente – A rua onde se situa o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta recebe o seu nome, perpetuando a ligação entre o paleógrafo e os documentos que o ocuparam uma vida inteira.

João Lopes de Faria nas Memórias de Araduca