Dicionário de Guimarães

Em Guimarães, num se diz não.

Aqui, S. Gualter lê-se "Gualtér", as papas não entaramelam a língua e o vernáculo é tratado com o carinho de um adjetivo. Se quer entender porque é que em Guimarães se trocam os V's pelos B's com tanto orgulho, ou descobrir o significado real das expressões mais coloridas da nossa praça, entre no nosso Dicionário.

O verbo de Guimarães

Diz-se por aí, com alguma inveja disfarçada de crítica, que o vimaranense tem sotaque. É uma calúnia. Em Guimarães, fala-se a língua com a pureza da sua sonoridade original; os outros é que a entortaram. Aqui, o "não" fecha-se num resoluto "num", os "vês" e os "bês" dançam uma valsa antiga que desafia a gramática da convenção, e a acentuação tem regras próprias: o nosso Santo é "Gualtér" e as freiras eram "dominicas".

Mas mais do que a fonética, o que nos distingue é a alma. Há em Guimarães restaurantes, como o da lendária D. Augusta dos Caquinhos, onde a comida, por muito boa que seja, é apenas acompanhamento para a artilharia verbal servida à mesa. É que o vimaranense não usa o vernáculo para insultar; usa-o para pontuar, para dar ênfase, e até para amar. O palavrão aqui não é obscenidade, é vírgula. É uma garrida maviosidade que, aos ouvidos de forasteiros, pode parecer agressiva, mas que por aqui não é mais do que o tempero natural da conversa.

Este espaço celebra esse falar desassombrado. Não procuramos a correção académica estéril, mas a preservação de uma forma de estar onde a língua é, tal como o povo que a fala, rija, sonora e sem papas na língua.a.

Vernáculo e Identidade
Escassa Respiga: Um Dicionário Vivo

O falar de Guimarães é um campo minado para os incautos, onde as palavras sofrem mutações semânticas inusitadas. Só aqui é que uma mãe, num assomo de ternura, pode dizer "Anda cá, filho da puta, que já mamas!", ou uma esposa, descrevendo a vitalidade do marido, atira um "O caralho do meu homem já voltou a arrebitar cachimbo", sem que isso implique qualquer juízo moral ou disfunção orgânica. A originalidade não está apenas na boca, está na intenção.

Este fenómeno não passou despercebido aos gigantes da nossa etnografia. José Leite de Vasconcelos, nos seus Opúsculos, e Alberto Vieira Braga, na sua Escassa Respiga Lexicológica, foram os primeiros a perceber que o léxico vimaranense merecia estudo sério. Seguindo o trilho destes mestres, compilamos aqui um projecto de Dicionário do falar vimaranense.

Mas a língua é um organismo vivo, não uma peça de museu. O que aqui apresentamos, de A a Z, é um ponto de partida baseado nessas recolhas históricas, mas que clama pela vossa memória. Este dicionário está, propositadamente, inacabado. Cabe a cada leitor acrescentar a expressão que ouvia à avó ou o termo que ainda hoje se grita no Toural. Não podemos deixar morrer as palavras.

Em Guimarães há um restaurante onde não se vai só pelo prazer da mesa boa e farta. Vai-se também para ouvir falar a proprietária. Ali, as papas são boas, mas não entaramelam a língua da D. Augusta, que a tem bem solta e desbragada no uso de toda artilharia do vernáculo local.

Será que existe um modo vimaranense de usar a voz e a palavra?

Sobre esta matéria, citarei o que há anos escreveu um velho conhecido meu:

Tentei em vão decifrar o que seria o sotaque vimaranense. A verdade, é que não existe nenhum sotaque vimaranense. Por aqui, fala-se a nossa língua com a pureza da sua sonoridade original. Sotaques têm-nos os outros, portanto.

O mesmo já não direi da semiologia vimaranense. Aqui, as palavras adquirem uma garrida maviosidade vernácula e têm mutações semânticas inusitadas, raramente significando o que parecem significar. Por aqui, são costumeiras expressões como esta, corrente de mãe para filho, em que se diz algo de muito diferente daquilo que as palavras ditas significam:

Anda cá, filho da puta, que já mamas!

Ou esta, que ao comum dos mortais suscitará dúvidas acerca de qual possa ser o sujeito da frase ou a natureza da acção que lhe é imputada:

O caralho do meu homem já voltou a arrebitar cachimbo.

Ao contrário do que possa parecer, aquela expressão não se refere ao recobro de uma situação de disfunção eréctil temporária.

Pois é. A originalidade do falar dos vimaranenses não está na pronúncia, mas sim no uso que aqui se dá às palavras.

Este assunto já teve a atenção de estudiosos como José leite de Vasconcelos (JLV) e Alberto Vieira Braga (AVB). O primeiro é autor de um estudo “Linguagem Popular de Guimarães”, publicado no volume II dos seus Opúsculos, e o segundo a obra Escassa Respiga Lexicológica (Provincianismos Minhotos), onde recolhem um conjunto significativo de vocábulos e expressões, que aqui se reuniram como ponto de partida para a compilação de um dicionário do falar das gentes de Guimarães. Aqui ficam, de A a Z, à espera de contribuições para acrescentamento e aperfeiçoamento.

Elementos para um dicionário do falar vimaranense — de A a Z

O povo gosta de vir aqui porque a comida, para mim acho e muita gente diz que é boa, e também por eu falar.

D. Augusta, Adega dos Caquinhos

A banda sonora que está nesta página foi produzida por Kung-Fu Trunx (Miguel Ribeiro) sobre a entrevista à D. Augusta da Adega dos Caquinhos realizada por Samuel Silva para o projecto Histórias Atrás das Portas, editado pelo Cineclube de Guimarães em 2012.

O falar de Guimarães

Falares e dizeres nas Memórias de Araduca