Catarina Micaela Lencastre
o lobo da madragoa


Eduardo de Almeida nas Memórias de Araduca
Viscondessa de Balsemão e poeta
D. Catarina Micaela de Sousa César e Lencastre nasceu em Guimarães, na Casa de Vila Pouca, a 29 de setembro de 1749, dia de S. Miguel, que lhe ficou no nome. Filha de Francisco Filipe de Sousa da Silva Alcoforado, senhor da Casa de Vila Pouca, cresceu num meio de elites com tradição política e literária, aparentada com Soror Maria do Céu e com vários autores que escreviam e publicavam. Poetisa “muito distinta” e dama da Ordem de S. João de Jerusalém, viria a ser uma das vozes femininas mais marcantes da poesia portuguesa de Setecentos.
Em 1767 casou, por procuração, com Luís Pinto de Sousa Coutinho, futuro 1.º visconde de Balsemão, diplomata e ministro da Coroa. Acompanha-o nas missões em Londres e Madrid, vive entre cortes e embaixadas, aprende línguas, lê muito e faz da própria casa um pequeno salão ilustrado. De regresso a Portugal, instala-se em Lisboa e integra a rede de sociabilidade literária da capital, em diálogo de igualdade com figuras como a Marquesa de Alorna, Bocage, Nicolau Tolentino, Ribeiro dos Santos ou o Abade de Jazente. Assina como Natércia, Coríntia, Célia ou “Safo portuguesa”, nomes que espelham a mistura de arcadismo e pré-romantismo que percorre a sua escrita.
Grande parte da obra de Catarina de Lencastre permaneceu manuscrita, em cadernos copiados por amigos e familiares: sonetos, odes, elegias, idílios, apólogos, fábulas, teatro. Em vida, apenas algumas composições vieram a lume: a Ode ao Marquês de Pombal, a Ode a Mirtillo (de Corinthia), textos patrióticos como Aos Amigos da Pátria e O Reconhecimento dos nossos fiéis aliados, além de sonetos dispersos em jornais, almanaques e colectâneas. A sua poesia atravessa os registos amoroso e familiar, mas ganha um forte tom cívico e político a partir da Revolução Francesa, da Guerra das Laranjas e, sobretudo, das invasões francesas e da revolução liberal de 1820.
Já septuagenária, a viscondessa sobe ao palco de S. Carlos para declamar versos em louvor dos “libertadores da Pátria” e dos generais da revolução, diante de uma sala em delírio. Pouco tempo depois, gravemente doente, dita ao confessor, entre sacramentos e extrema-unção, os derradeiros sonetos sobre a clemência divina, publicados no Correio do Porto dois dias após a sua morte, a 4 de janeiro de 1824. Entre o esquecimento em que caiu nos manuais e a admiração que conservou nos arquivos, a crítica contemporânea começa a recolocá-la no lugar que lhe cabe: o de uma grande poetisa vimaranense, peça-chave para compreender a escrita feminina e a sensibilidade pré-romântica em Portugal.


Catarina Micaela Lencastre, nota biográfica
Percurso
1749 (29 de setembro) – Nasce em Guimarães, na Casa de Vila Pouca, filha de Francisco Filipe de Sousa da Silva Alcoforado; dia de S. Miguel, que lhe inspira o nome Micaela.
Juventude – Cresce em meio familiar letrado, em contacto com círculos devotos e culturais ligados a Soror Maria do Céu e a outros autores da família.
1767 (21 de agosto) – Casa, por procuração, com Luís Pinto de Sousa Coutinho, futuro 1.º visconde de Balsemão.
Década de 1770 – Acompanha o marido em Londres como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário; aprofunda leituras, aprende línguas, convive com meios diplomáticos e literários.
Décadas de 1780–1790 – Integra os salões literários de Lisboa; troca poemas com a Marquesa de Alorna, Bocage, Nicolau Tolentino e outros poetas da Nova Arcádia; alguns textos circulam sob os anagramas Natércia e Coríntia.
1787 – Publicação da Ode a Mirtillo (de Corinthia) no poema Sonho, de Luís Rafael Soyé.
c. 1808 – Compõe textos patrióticos como Aos Amigos da Pátria e O Reconhecimento dos nossos fiéis aliados, inspirados pela resistência às invasões francesas.
1810 – Sai impressa a Ode na morte do Marquês de Pombal, na Colecção de poesias inéditas dos melhores autores portuguezes.
1821 – Já idosa, recita, no Teatro de S. Carlos, odes em louvor dos “libertadores da Pátria” e de Gaspar Teixeira, general da revolução de 1820.
1823 (4 de junho) – Dedica um soneto à feliz aclamação de D. João VI, recitado no Real Teatro de S. João, no Porto.
1824 (4 de janeiro) – Morre no Porto, após ditar ao confessor os últimos sonetos, publicados dias depois no Correio do Porto.






