Bernardo Dinis, o Papa-Açúcar

o bandoleiro romântico

Fora da lei

Bernardo José Dinis, alcunhado de "Papa-Açúcar", destacou-se como um dos mais audaciosos e célebres fora-da-lei em atividade no Minho no final do século XIX. Natural de Joane, Vila Nova de Famalicão, emergiu jovem no panorama do crime, e aos 20 anos já era figura temida e popular nas crónicas criminais de Guimarães.

O seu perfil reúne traços de banditismo clássico: ousadia, inteligência, fuga recorrente às autoridades e certo código de conduta. Foi condenado por roubo e resistência, protagonizou fugas espetaculares da cadeia (a de 1883 destaca-se pelo engenho), e chefiou uma quadrilha de salteadores que operava sobretudo nas freguesias rurais de Guimarães.

A sua figura adquire, contudo, contornos ambíguos: aterrorizava a população, mas surgem-lhe atribuídos atos de generosidade e justiça poética — como o caso do batismo da criança pobre, onde, após ser padrinho e ajudar a família, extorquiu dez libras ao padre para devolver à mãe da criança.

Assim, Bernardo Dinis oscila entre o bandido violento e o fora-da-lei romantizado, à semelhança de José do Telhado. A imprensa da época reforça esse duplo papel — como perigo público e como símbolo de resistência à ordem estabelecida, transformando-o numa lenda viva do Norte.

Bernardo José Dinis, nota biográfica
Percurso
  • c. 1862–1863 – Nasce em Joane, concelho de Vila Nova de Famalicão.

  • Antes de 1882 – Trabalha como carrejão e cocheiro. Inicia atividades criminosas em Guimarães.

  • 29-11-1882 – Julgado e condenado em Guimarães a 2 anos de prisão por roubo e resistência.

  • 17-06-1883 – Foge da cadeia de Guimarães; rouba o carcereiro e desaparece.

  • Junho–Agosto 1883 – Suspeito de vários furtos e assaltos nas freguesias de Guimarães.

  • Novembro 1883 – Voz pública afirma que embarcara em Vigo para o Brasil.

  • Janeiro–Maio 1884 – Novamente avistado nas imediações de Guimarães (Ponte de Brito, S. Miguel das Aves).

  • 17-06-1884 – Preso numa taberna da ponte de Brito; é armado com gazuas, navalha e revólver.

  • 21-06-1884 – Interrogado em tribunal; transferido para responder por crimes em Famalicão.

  • 1888–1890 – Continua atividade criminosa; referenciado em Castelões, Taipas e Sande.

  • 17-08-1890 – Preso pela polícia de Braga na casa da sua amásia, “Bicha Brava”, em Sande.

  • 19-08-1890 – Transferido para a cadeia de Guimarães; causa alvoroço popular.

  • 03-03-1891 – Chega de novo a Guimarães, vindo da Relação do Porto, para julgamento.

  • 20-03-1891 – Julgado por associação criminosa e furtos. Condenado a 4 anos de prisão celular ou 8 de degredo.

  • 28-04-1891 – Transferido para a Relação do Porto. A partir deste momento, o seu destino torna-se incerto.

Bernardo José Dinis, o Papa Açúcar, de quem desconhecemos o rosto. Retrato imaginário gerado digitalmente.

Bernardo Papa Açúcar

Chamava-se Bernardo José Dinis, mas ninguém o conhecia por esse nome. Na segunda metade do século XIX, era simplesmente o Papa-Açúcar — figura que causava tanto medo como fascínio. Nascido por volta de 1862 na freguesia de Joane, concelho de Famalicão, cedo abandonou os ofícios de carrejão e cocheiro para trilhar o caminho do crime.

Guimarães foi o seu principal palco. As suas andanças pelas freguesias rurais — Sande, S. Torcato, Ruivães, Caldelas — semearam um rasto de furtos, assaltos e perseguições policiais. Condenado em 1882 por roubo e resistência à autoridade, escapou da cadeia no ano seguinte com uma fuga teatral: enganou o carcereiro com cabos de vassoura sob os cobertores, roubou-lhe o relógio e 52 mil réis, e desapareceu na noite.

Apesar de repetidamente dado como embarcado para o Brasil, reaparecia como uma sombra nos caminhos das aldeias — armado, ardiloso, por vezes benévolo. Protegeria mulheres, batizaria crianças, humilharia padres. Era temido e admirado. A sua amásia, a “Bicha Brava”, dava-lhe abrigo em Sande.

Após várias capturas e evasões, foi definitivamente condenado em 1891 a quatro anos de prisão celular ou oito de degredo em África, como membro de uma quadrilha de salteadores. Daí em diante, o seu rasto desvanece-se: há rumores de exílio, silêncio judicial, memórias empoeiradas.

O Papa-Açúcar sobreviveu como mito — mencionado em romances, usado para assustar crianças, lembrado como herói ambíguo de uma terra onde os marginais ainda podiam ser vistos como justiceiros.

1863-?

António Amaro das Neves

o Papa-Açúcar nas Memórias de Araduca