Eu pudera dizer muito mais, sobre ser Guimarães a antiga Araduca; mas, por ora, basta o que está dito. (João Baptista de Castro)

Sobre o projecto para o Toural

OPINIÃOCIDADETOURAL

António Amaro das Neves

10/7/20074 min ler

Dos cinco projectos para Guimarães que estão em discussão pública, o da intervenção no Toural e na Alameda (mais pelo Toural do que pela Alameda) é o que desperta maior interesse e debate apaixonado. O Toural é o coração da cidade (quando se fala no centro de Guimarães, é no Toural que se pensa) e as cirurgias do coração, pelas suas dimensões orgânica e simbólica, são aquelas que levantam maiores temores e desassossego nas gentes.

Ao que vou vendo na discussão em curso, duas questões têm concentrado maiores atenções:

– A intenção de remover as árvores do jardim.

– A ideia de criação de um parque de estacionamento subterrâneo.

Em relação à primeira, lembrarei que o Toural tem muitos séculos, mas só teve árvores durante pouco mais de cem anos, as quais, à medida que foram crescendo e alargando os seus troncos e copas, ajudaram a diminuir a percepção da grandiosidade daquele espaço. Sou da opinião de que as árvores do Toural estão a mais. Se forem removidas, voltando a tornar desafogada o que já foi amplo, a praça ganhará uma outra grandeza e dignidade. Aliás, os próprios moradores já assim pensavam em 1929, o que os levou a pedirem à Câmara, sem sucesso, que mandasse retirar as árvores.

Por mim, podem levá-las. Para a Alameda, por exemplo.

Já quanto ao parque de estacionamento, terão que aparecer melhores argumentos do que aqueles que já escutei, para me convencerem da sua necessidade.

Em Guimarães, vão persistindo tiques das terras pequenas. Ainda está bem enraizada a ideia de que a cidade é o Toural e de que tudo o que não fica no Toural fica longe da cidade. O curioso é que, quem assim sente, quando vai a outras cidades, se encontra um local para estacionar a 5 ou 10 minutos do local para onde se dirige, sente-se afortunado. Somos assim em qualquer sítio, menos em Guimarães porque, aqui, o carro tem sempre que ser levado até à porta. Para nós, duzentos metros são uma distância excessivamente longa para serem percorridos a pé.

A poucos minutos do Toural e do Centro Histórico, em percurso a pé, temos uma série de parques de estacionamento, que indico a eito, sem a preocupação de ser exaustivo: Mumadona, Hortas, Centro Comercial S. Francisco, Centro Cultural Vila Flor, Caldeiroa, Mercado novo, Rua de Santo António, Triângulo. Representam uma oferta superior à procura, até porque, na mesma área, há um parque, com excelentes condições, que está fechado por falta de utilizadores (o do Estádio). A somar aos já existentes, está previsto um novo parque para o subsolo do Mercado Velho, assim como um outro para o lugar para onde se prevê mudar a feira semanal (espaço que, ele próprio, poderá ser um parque de estacionamento de grande capacidade disponível todos os dias da semana, excepto no dia de feira).

Admito que existam estudos e argumentos que me venham a demonstrar que estou errado. Por enquanto, vou estando convencido de que, mais do que de um parque subterrâneo no Toural, precisámos é de passar a olhar para a dimensão da cidade com outros olhos.

Dito isto, direi que concordo com a ideia do projecto de intervenção à superfície de tornar a praça mais amistosa para os peões. E também concordo com o objectivo, expresso como fundamental, de assegurar “o reforço do carácter simbólico e identitário do Toural, enobrecendo o seu espaço físico”. Permito-me deixar algumas sugestões que podem contribuir para concretizar esse objectivo:

Seguindo um processo já utilizado na zona intramuros, poderá ser feita a marcação no solo de algumas referências à configuração histórica da praça, nomeadamente a indicação do percurso por onde passava a muralha e das respectivas torres (S. Domingos ou Senhora da Piedade e Alfândega), que se acrescentarão às inscrições alusivas às portas (Porta da Vila ou da Senhor da Piedade, Postigo de S. Paio ou Porta Nova), já existentes. Seria também de ponderar a indicação do local de implantação do primitivo convento de S. Domingos.

Poderá igualmente ser equacionada a recolocação do magnífico Chafariz do Toural, que tem todas as características para se tornar num ex-libris da cidade. A ideia deste retorno ao seu lugar de origem não é nova, tendo sido objecto, em Maio de 1939, de uma decisão nesse sentido, nunca concretizada, por proposta da célebre Comissão de Estética Municipal, constituída por A. Vieira Braga, Alfredo Guimarães, António de Azevedo, Luís de Pina e Arq. José António Sequeira Braga. (actualmente escondido entre as árvores do Jardim do Carmo).

Por último, parece-me que a intervenção a desenvolver deverá ponderar a relação entre o Toural e as Nicolinas (também elas estreitamente ligadas ao chafariz, onde tinham lugar os banhos forçados que ram infligidos aos intrusos). Sou de opinião de que as festas dos estudantes deverão regressar ao território que foi (quase) sempre o seu, o espaço nobre do Toural. O mastro que anuncia que a festa começou e que só será retirado quando a festa for terminada era tradicionalmente enterrado no Toural; as Maçãzinhas, além de outros números das festas, aconteciam também no Toural e na rua de Santo António. Quando se pondera a candidatura a Património Cultural da Humanidade, parece-me importante que a cidade aposte em trazer de novo as das Festas dos estudantes para a Praça, ajudando a devolver às Nicolinas alguma da dignidade que entretanto terá perdido, ao mesmo tempo que se contribui para “o reforço do carácter simbólico e identitário do Toural”.